Até então candidato em sediar a Copa do Mundo de futebol feminino em 2023, o Brasil, através da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), retirou a sua candidatura para ser palco do próximo mundial da modalidade, na última terça-feira (9). A desistência por parte do órgão máximo do esporte nacional ocorreu por diversos fatores, de acordo com nota oficial divulgada, sendo a principal delas a falta de garantias de segurança do Governo Federal relacionada à pandemia de Covid-19, que ainda segue disseminada no país.

A desistência em ser anfitriã da maior competição de futebol feminino caiu como um balde de água fria entre treinadoras e jogadoras, mesmo que o esporte feminino não possua a estrutura, apoio, suporte e atenção na maioria dos estados brasileiros. Com alguns centros contando somente com o Estadual como calendário durante o ano, a Copa do Mundo poderia ser justamente essa chave que iniciaria uma mudança positiva para a categoria.

A treinadora do Paysandu, Aline Costa, referência na modalidade por onde já chegou a ter conquistado o título nacional da Série A2 em 2017 com o Pinheirense, em uma campanha memorável, reclama da decisão da CBF. “Para mim foi uma grande falta de respeito com a modalidade até porque uma Copa do Mundo no país iria engrandecer demais na busca que a gente vem batalhando, que é a valorização”, opinou.

Aline Costa entendeu toda a preocupação relacionada à saúde e o cuidado que necessita ser o foco nesse momento, contudo, pelo prazo de três anos até o torneio, conforme a treinadora, a tendência é que a situação esteja mais controlada. Outro ponto abordado seria em relação às despesas, que seriam bem menores para a realização da disputa.

“Infelizmente a medida que a CBF tomou foi ruim. Nós já temos o legado da Copa do Mundo masculina, então as despesas não seriam tão grandes. Os outros países viriam movimentar o Brasil, que seria fundamental pra gente, mas manda quem pode e obedece quem tem juízo. Se fosse o contrário, iriam tirar a candidatura do masculino?”, indaga.

Aline Costa, treinadora do Paysandu considera desistência uma falta de respeito com a modalidade
Aline Costa, treinadora do Paysandu considera desistência uma falta de respeito com a modalidade |Jorge Luiz/Paysandu

Trecho da nota da CBF

“A CBF decidiu retirar a candidatura brasileira e apoiar a Colômbia na disputa para a sede da Copa do Mundo Feminina FIFA 2023. Desta forma, a CONMEBOL se apresenta com uma candidatura única, aumentando as chances sul-americanas na votação, além de reforçar a unidade que marca a atual gestão da entidade.

A CBF agradece a todas e todos que participaram da candidatura brasileira e reafirma seu compromisso com o desenvolvimento do futebol feminino no país. Um compromisso que vem sendo demonstrado tanto no fortalecimento das competições entre clubes, quanto das Seleções Nacionais. Seguimos com o objetivo de realizar uma edição da Copa do Mundo Feminina FIFA em gramados brasileiros e a trabalhar para que isso aconteça assim que possível”.

Opinião

– O que precisa ser feito!

A treinadora Aline Costa elencou 10 tópicos sobre o que é necessário ser feito para o crescimento do futebol feminino no Brasil.


– Valorização

“É o que todo mundo pede, solicita. Precisa ser valorizado para que o esporte possa a ser uma potência como tem projeções para ser aqui”.

– Respeito

“Esse é o básico. Quando falamos de respeito, é sobre horários, competições, financeiro. Não exigimos salário igual do masculino, embora deveria, mas no sentido de diminuir a desigualdade também no financeiro”.

– Calendário

“A Federação e a CBF precisam criar competições para que as meninas possam mostrar o trabalho, porque é uma competição o ano todo. No masculino tem várias e isso pesa muito”.

– Apoio dos clubes

“Que os clubes possam abraçar o futebol feminino e tomar iniciativa, com o marketing e eventos para que a gente possa trazer a torcida para o futebol feminino. A gente tem que ser valorizado no próprio clube”.

– Estrutura

“É preciso estrutura, investimento para que tenha rendimento. Talento em todo lugar tem, mas a estrutura ajuda na evolução de toda equipe”.

– Torcida

“Quando você tem plateia para o seu espetáculo, você se dedica mais, você honra mais aquelas pessoas que pagaram pra te assistir. Acredite, isso faz uma diferença enorme”.

– Dependência

“Outro ponto seria que elas dependessem exclusivamente do futebol. A gente perde muita atleta por não ter salário e ter que ir para outro trabalho”.

– Imprensa

“Quando tudo caminha junto é mais fácil. A imprensa faz parte disso, mas poucos repercutem sobre o que fazemos ou o que planejamos. A divulgação de um jogo e horário é importante só pelo fato do torcedor saber a programação, porque isso ajuda a ter patrocínio”.

– Base

“Precisamos de categoria de base no feminino. No Sul e Sudeste eles trabalham, mas não é em todo lugar. Aqui estamos só no adulto e isso é ruim”.

– Investimento

“Todo esporte precisa de investimento para poder pagar salário. A gente fala de salário porque é o primeiro passo que tem que ser dado para que o esporte possa crescer”.

Sem investimentos, potencial é pouco aproveitado

Longe de serem contempladas com o prestígio do futebol masculino, as atletas da bola sabem bem da dificuldade que é seguir em busca do sonho, como a falta de calendário, torneios poucos atrativos e a carência de apoiadores na categoria feminina.

Divulgação

Em dados divulgados pela Fifa há um ano, em julho de 2019, o Brasil apresentava um total de pouco mais de 15 mil jogadoras atuando no futebol de maneira organizada, em competições amadoras ou profissionais. Enquanto isso, nos Estados Unidos, mais de 9,5 milhões de mulheres praticavam o esporte, o que escancara a diferença de incentivo e apoio.

Na época do estudo, 475 jogadoras estavam registradas em clubes com idade inferior a 18 anos, o que revela a falta de investimento na base. Nos EUA, 1,5 milhão de jovens já estavam no futebol.

Com a realização da Copa do Mundo no Brasil, as atletas destacaram que o evento seria a chance perfeita para que o futebol feminino ganhasse uma nova perspectiva de atenção, caixa e valorização. “Acho que perdemos uma grande oportunidade de dar continuidade ao crescimento da modalidade no país, pois certamente teríamos um bom engajamento com patrocinadores, mídia e evolução nos clubes. É com muita tristeza que recebemos essa notícia, porque é o sonho de qualquer uma de nós jogarmos uma Copa, já que essa seria a primeira da história da modalidade aqui”, ponderou a lateral-direita do Clube do Remo, Jeanne Mendes.

MUITA LUTA

O Mundial no Brasil seria a oportunidade da seleção brasileira lançar uma nova safra de jogadoras, já que a equipe nacional passa por reformulações desde o Mundial da França, no ano passado, principalmente com a presença de uma nova liderança à beira dos gramados, que é a de Pia Sundhage, atual treinadora nacional.

A meia-atacante da Esmac, Lora Soure, destacou a luta por espaço e divulgação no esporte. “Estamos no momento de transição de geração, logo teremos uma das maiores seleções do mundo. Uma garotada muito boa vem se preparando para isso. Em termos de valorização do esporte, ainda estamos longe dos investimentos dos grandes centros mundiais, ainda temos muito a lutar”, pontua.

 (Diário do Pará)

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