A Coisa é uma força estranha e maligna que deixa um rastro de sangue em uma pacata cidadezinha dos Estados Unidos. Ela assume a forma de um palhaço para atrair crianças inocentes para o seu espiral de medo, dor e morte. Essa história macabra saiu da cabeça de Stephen King, em livro escrito no longínquo ano de 1986, que já havia ganhado uma versão para a televisão na década de 1990 e agora tem nova roupagem nos cinemas. O filme estreia amanhã e, apesar de toda a expectativa, é difícil crer que ele possa ser mais assustador do que a rotina de dissabores imposta à torcida do Clube do Remo pela sua diretoria, que parece empenhada em levar a instituição para a mesma sarjeta habitada pela criatura.

Tal como o ser sobrenatural de King, os responsáveis pelos rumos do Leão brincam maldosamente com o sentimento tão puro que é o amor por um clube de futebol – não por acaso, forjado ainda na infância. É duro para um torcedor ver pessoas descompromissadas destilando toda a sua incompetência e amadorismo no trato de algo que deveria ser sagrado. Assim, até quando as luzes se apagam, aquele frio que percorre a espinha, nesse caso, deixa de estar ligado a entidades ou espíritos, como rezam a sabedoria popular e a ficção, e passa a ser mera consequência da dura realidade de um inadmissível e recorrente corte de energia elétrica por falta de pagamento.

A escalada do terror parece não ter fim. A partir do momento em que Manoel Ribeiro assumiu a presidência do clube, não houve um respiro sequer. Um dos golpes mais significativos no torcedor foi a derrocada do seu programa de sócios, que em 2016 havia sido um sucesso, recebendo, inclusive, destaque nacional. A ganância trouxe valores irreais, vantagens inexistentes e problemas éticos quanto à gerência do Nação Azul ser a mesma da venda de ingressos. Um absurdo atrás do outro. Além disso, tivemos o fim da visibilidade conquistada pela equipe de e-sports, em nova mostra do descaso e da mentalidade tacanha e ultrapassada da diretoria azulina.


(Arte: Márcio Alvarenga)

Mas o grande clímax deste filme de terror é mesmo no futebol. O fracasso em todas as competições da temporada até aqui não é à toa. Afinal, que clube profissional contrataria um time inteiro de reforços só para se dar conta da incapacidade técnica dos mesmos e dispensá-los menos de um mês depois? E, pior ainda, reintegrar alguns deles em seguida? É um roteiro surreal, em que um diretor afirma que não vai pagar atletas e que estes podem entrar na justiça do trabalho se quiserem; que outro diretor fala aos quatro cantos que o técnico pode ir embora, dando a benção para indisciplinas e outras atitudes desagregadoras do elenco; e outro ainda não cumpre compromissos assumidos com os adversários quanto a ingressos cedidos, não devolvendo a cortesia recebida.

Se a “Coisa” assume várias formas para aterrorizar as crianças, no Remo isso também vem à tona com presidente e diretores mostrando seu despreparo, lambanças e vaidades, causando a ira da torcida, que, mesmo assim, ainda acredita, não perde a fé, espera por um milagre. A torcida é exatamente como os heróis da obra de Stephen King, chamados ironicamente de “clube dos perdedores”, que pregam amizade, amor e união para sair de uma situação calamitosa. Se eles conseguem, com muito esforço, tornando-se vencedores, por que não acreditar que o Remo também consiga se livrar desses seres nefastos?

Obstáculos não faltam. Mas a torcida lota o Mangueirão sabendo de todas as limitações, protesta por dias melhores, faz até o que seria o dever da diretoria, ou seja, reforma o Baenão por conta própria, catando dinheiro aqui e ali, enquanto rendas de jogos são roubadas ou somem misteriosamente e jogadores e funcionários não são pagos. É certo que o tempo é curto para salvar a temporada. Talvez ainda dê, pois tudo conspirou para que o Remo seguisse no G4 da Série C até a última rodada. Os adversários ajudaram. Falta o próprio Remo querer. O importante é que, conseguindo o acesso ou não, a torcida tenha em mente que, assim como a “Coisa” hiberna por um tempo, com essa diretoria, o terror sempre estará à espreita.

(Carlos Vilaça/editor de esporte do Diário do Pará)

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