Caro torcedor e cara torcedora, sei que, se você é remista, provavelmente chegou aqui curioso, “espantado” ou mesmo orgulhoso do feito azulino da década de 1990 ser comparado ao do clube saudita comandado pelo português Jorge Jesus.

Já se é torcedor bicolor, assim como eu sou, talvez já tenha proferido alguns palavrões e xingamentos pela “manchete sem noção ou caça-like”. Entendo totalmente e parabenizo pela perspicácia na compreensão do título, mas peço que deixe de lado as ofensas iniciais para a continuidade deste texto. Na verdade, o pedido serve também para quaisquer pessoas que gostam de futebol ou tenham sido atraídas pela chamada.

Sufocando por alguns minutos o amor, paixão (ou payxão), clubismo ou qualquer outro termo semelhante de lado, os dois feitos dos clubes de realidades tão díspares, em épocas diferentes, talvez sejam importantes para pensarmos no futebol do passado, presente e futuro. Não há melhor nem pior, mas há pistas e motivos para refletirmos.

Lógico que o tabu azulino de 33 jogos, com 21 vitórias e 12 empates de 31 de janeiro de 1993 até 7 de junho de 1997 (sempre o 7…) ainda é motivo de orgulho para a torcida do Clube de Periçá, assim como causa um incômodo, mágoa e mesmo sensação de incredulidade por nós, bicolores. No entanto, trata-se do maior tabu da história entre clubes rivais e provavelmente nunca mais será alcançado por time algum no planeta. É um feito impressionante. É fato. E fato não se discute, assim como o fato da Terra ser redonda, o Brasil nunca ter chegado próximo de ser um país comunista e o trágico movimento de 1964 nunca ter sido uma revolução e sim uma ditadura militar. Mais uma vez: fatos não se discutem. Se lamentam, se comemoram e, no caso deste texto, se analisam.


Pois bem, na última segunda-feira (8), o time de Jorge Jesus e que deveria ser de Neymar (lembra dele?) chegou a 33 jogos… Mas não de tabu contra algum rival e sim de vitórias em sequência. Recorde mundial. Aí você pode pensar ou comentar em alguma conversa de botequim:

“Ah, mas eles têm muito dinheiro” – no entanto, outros clubes com um caixa, digamos, surreal, não alcançaram tal marca.

“Ah, mas  eles montaram uma seleção” – outros clubes também e nem por isso conseguem engrenar.

“Ah, mas jogar lá com esses times é fácil, queria ver se fosse…” – Se, no futebol, eu e você sabemos: não existe. Supremacias devem ser alcançadas “no seu quadrado”, seja sua cidade, Estado, região, país ou continente. Isto eles conseguiram, assim como o Clube do Remo conseguiu na década de 1990, mesmo que o tabu tenha rendido apenas títulos paraenses e não conquistas maiores e que rendem estrelas nas camisas.

Voltando ao clube saudita, a última derrota foi para o Al-Nassr, em dia 12 de agosto de 2023, por 2 a 1, quando o técnico Luis Castro tinha pouco mais de um mês na Arábia, após deixar o Botafogo. O que viria depois no Brasileirão, você sabe…

Já o tabu azulino durou 1588 dias, isto é, pouco mais de 4 anos e meio e resultou em 49 gols pro Leão Azul e 20 para o Papão, com um saldo impressionante de quase 1 tento a mais por jogo.

DITO ISSO…

Pois bem, como é possível comparar apenas o que é diferente (do contrário, seria assemelhar), de um lado temos um tabu gigante contra o maior rival, reunindo vitórias e empates por anos; de outro, uma sequência de vitórias em cerca de 9 meses em um clube e uma liga cujos investimentos, segundo algumas pessoas, podem ser greenwashing, isto é, feito com o objetivo de maquiar inúmeros problemas que a ditadura religiosa e financeira da Arábia Saudita obriga sua população.

Entre ambos, lógico que há um abismo de diferenças, mas nos ajuda a perceber o quanto atualmente os dois lados da Almirante ainda vivem de marcas e orgulhos do passado, alcançando no máximo conquistas da Copa verde e acessos para, no ano seguinte, deixar os torcedores com calculadoras nas mãos em busca dos tão sonhados 45 ou 46 pontos que comumente garantem a permanência nas Séries A e B.

Mostra também que, obviamente não temos o poderio econômico dos clubes saudistas e de outros grandes centros, como no Brasil mesmo e até em locais que não são “do eixo” e, principalmente, que seguimos sem perspectivas de modelos de gestão e de negócios melhor estruturados. Olhemos o Estado do Ceará, com o Fortaleza sendo o maior case de sucesso, gestão e organização de um clube no país (caro torcedor e cara torcedora, deixemos de lado máquinas financeiras como Flamengo, Palmeiras e outros, olhemos para o que é próximo de nossa realidade).

Na capital alencarina, há ainda o próprio Ceará, que após anos na Série A, sempre possui boas colocações na Série B sem sobressaltos com riscos de queda, o que hoje, para nós bicolores e para os remistas, deve ser o grande alvo. Sonhar com a Série A? Não agora e talvez não nesta década. É preciso avançar muito para isto, não sejamos ingênuos.

Quer outro exemplo? Miremos o Estado de Goiás, onde ganhou destaque Michael, meia atacante matogrossense que “quando tá feio” resolve inúmeras vezes para o Al-Hilal. Em Goiânia, com Vila Nova, Goiás e Atlético-GO, que voltou para a Série A, vemos não apenas boas campanhas, mas modelos de negócios, organização e estrutura que deveria ser sonhada (e copiada, por que não?) aqui.

Além dos resultados, repare os estádios da capital goiana, que possui população média semelhante a de Belém: OBA (Vila Nova), Serrinha (Goiás); Antônio Accioly (Atlético-GO), são acanhados, mas bem mais confortáveis que Baenão e Curuzu, vivem lotados, com gramado e estrutura aparentemente impecáveis. Há ainda o estádio Olímpico e o Serra Dourada, que já nem é mais tão usado. Cinco ótimos estádios em uma cidade, com 3 grandes clubes, que transitam (com exceção do Vila) entre Série A e Série B e em sinergia com as torcidas há anos. E nós? Temos tudo isso? Viveremos de “jogamos Libertadores e ganhamos o Boca” e “ganhamos um (distante proto) mundial” até quando?

Mais uma vez: o abismo financeiro é fato, sabemos, mas não pode ser a única justificativa para que ainda estejamos dando pequenos passos. Temos torcidas que amam muito seus clubes, mas se acostumaram a se contentar com pouco (sim, infelizmente é isso) e achar que transitar na Série C é algo comum. Não é. Não deve ser. Do tabu azulino da década de 1990 até o tabu saudita de agora, em que nosso futebol e nossos clubes evoluíram? Pense bem… Não, nunca seremos (e nem devemos) ser Al-Hilal, Al-Nassr ou outros clubes com valores impressionantes e imensuráveis, seja de que parte do planeta forem. Somos cabanos, paraenses, amazônicos e temos que ser nós, aproveitando nossas potências, mas com inúmeras melhorias.

O futebol do presente e do futuro está cada vez mais ligado à força financeira e modelos de gestão bem definidas. Não se trata apenas de recorrer às “miraculosas” Sociedades Anônimas do Futebol (SAF), mas de profissionalismo. Dirigentes bonachões, que ofendem outros, que trabalham apenas “meio período” no clube, sem cargo remunerado, que se orgulham de dizer que são apenas torcedores que querem ajudar os times estão com os dias contados. Ainda bem. Futebol é coisa seríssima, mexe com você, comigo, famílias, vendedores de churrasquinho de gato e cerveja, turismo, saúde mental, jornalismo, mercado formal, informal, gera empregos, renda e muito mais… É uma cadeia muito ampla que vai além das 4 linhas. Por isso, é preciso estar atento aos exemplos (bons e ruins) de fora para tentar aprender algum tantinho e empregar por aqui.

Para não virarmos poeira no tempo e no vento, como nos desertos de países árabes, temos que cobrar e monitorar cada vez mais este profissionalismo nos clubes. Só assim, quem sabe, teremos condições melhores para que o tabu dos 33 do Clube do Remo siga histórico, sendo motivo de orgulho inquestionável. De outro lado, que e as vitórias, títulos e acessos do Paysandu também, mas que ambas as torcidas possam se acostumar a feitos maiores e não se surpreendam e se “assustem” tanto ao ver manchetes como a que apresento neste texto que agora chega ao seu fim.

Enderson Oliveira é jornalista, editor no DOL e mestre e doutor em Antropologia.

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