A temporada 2022 está indo embora, deixando o rastro de frustração aos torcedores do Clube do Remo e Paysandu pelo não acesso dos times à Série B do Brasileiro do ano que vem. Um filme tantas vezes visto, a contragosto, nos últimos anos, por azulinos e bicolores de arquibancada, autênticos heróis da resistência. O fiasco das equipes na Série C se deve, em boa parte, a erros administrativos repetidos à exaustão pelos dirigentes, sobretudo no que diz respeito a montagem e preparação dos elencos dos clubes para encarar o Brasileiro, quesitos que, mais uma vez, entraram em cena no Baenão e na Curuzu.

Como em anos anteriores, as direções de Leão e Papão apostaram em contratações por atacado, sem levar em conta, na maioria dos casos, a qualidade técnica e utilidade dos atletas para as equipes. Evidência da indiferença dos cartolas com o dinheiro dos clubes. Equívoco que pode ser comprovado nas vindas dos veteranos Rodrigo Pimpão, de 34 anos, e Pipico, de 37 anos, para o Baenão e Curuzu, respectivamente. Em mais de dez jogos na Série C, os “ex-jogadores em atividade”, como já era previsto, em nada contribuíram para o bom desempenho das equipes, em que pese os altos salários embolsados por ambos.

A excessiva quantidade de aquisições de atletas sem qualidade técnica levou Leão e Papão, de maneira açodada, de volta ao mercado da bola na tentativa de colocar seus times nos trilhos. E o que se viu foi a emenda sair pior que o soneto, com os clubes encontrando apenas refugos disponíveis, com raras exceções, caso do meia Soares, vindo para o Baenão. A política equivocada de contratações, repetida tantas vezes, voltou a implicar na desvalorização do atleta formado no próprio clube, muito mais identificado com o futebol local.

No caso azulino, a troca de técnico, com a substituição de Paulo Bonamigo por Gerson Gusmão, também se mostrou ineficaz, não justificando a briga de bastidores travada entre Leão e o Botafogo-PB para ter o treinador. Os números de Gusmão à frente do time comprovam o erro: em sete jogos, a maioria deles decisivos, o treinador obteve apenas duas vitórias. No Paysandu, o técnico Márcio Fernandes foi mantido no cargo do começo à despedida do time do campeonato.

Mas o treinador, conforme admitiu após a derrota para o ABC, que decretou o fim do sonho bicolor de voltar a Série B, também cometeu suas falhas. Entre elas, a de apostar em jogadores que indicou ao clube e que não corresponderam em campo, casos do zagueiro Bruno Leonardo, dispensado no decorrer no decorrer do Brasileiro, e Pipico, que segue na Curuzu.

E MAIS…


Os torcedores de Remo e Paysandu já se acostumaram a ouvir, nos últimos anos, a mesma “ladainha” dos dirigentes dos clubes para justificar o insucesso de seus times em competições, sobretudo em Brasileiro. E nesta temporada o discurso segue igual, com a promessa de que, no ano seguinte, tudo será diferente e, finalmente, o futebol local voltará aos trilhos. O problema é que os cartolas de Leão e Papão parecem não aprender com seus tropeços administrativos, desconhecendo a frase do gênio Albert Einstein, que diz: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.”

O coordenador técnico do Paysandu, Ricardo Lecheva, na coletiva que concedeu à imprensa, não conseguiu justificar de forma convincente o fracasso bicolor. “A torcida sente muito por passar mais um ano na Série C e a diretoria tem o mesmo sentimento. Ainda buscamos razões para a queda de rendimento no quadrangular”, disse.

Por sua vez, o presidente azulino, Fábio Bentes, em seu último ano de mandato, promete uma reformulação completa no Leão e uma nova maneira de gerir o futebol do clube. Será? “A gente reconhece que, na prática, o planejamento não deu certo. Fizemos avaliações internas e mudanças drásticas vão haver para que a gente consiga, no ano que vem, esse objetivo (o acesso)”, prometeu.

Relevância na região está em xeque

FRONTEIRAS

Depois de reinarem absolutos no futebol do Norte, Clube do Remo e Paysandu, por conta de seus modestos desempenhos em competições nacionais, sobretudo em Brasileiro, nas últimas temporadas, estão começando a ter de dividir espaço na região com clubes do Amazonas. O Estado vizinho terá, na temporada de 2023, dois representantes – Manaus e Amazonas – na Série C do Nacional, mesma divisão que Leão e Papão voltarão a disputar. Expandindo as fronteiras, azulinos e bicolores, numa triste realidade, também amargam inferioridade em relação à dupla Ceará-CE e Fortaleza-CE, que disputam a Série A.

Há cerca de seis anos, os clubes locais se igualavam às equipes cearenses, que aos poucos foram ganhando mais espaço no cenário nacional e hoje disputam a Série A, com participação na Copa Sul-Americana e Taça Libertadores. Isso sem se falar na participação de Ceará e Fortaleza na concorrida Copa do Nordeste, que contrasta com a desvalorizada Copa Verde, que este ano tem até a desistência do Clube do Remo. Aqui ao lado, o futebol do Maranhão, até há pouco em degrau inferior, tem ao menos um representante em divisão superior à que é disputada por Leão e Papão: o Sampaio Corrêa desde 2020 na Série B.

Com a experiência de 63 anos de jornalismo esportivo, o narrador Cláudio Guimarães, de 76 anos, culpa “a falta de profissionalismo” pela queda do nosso futebol, que segundo ele, deveria abrir mão da figura do executivo de futebol para voltar a ser o que já foi. “Eles já trazem seu papel com os nomes dos (jogadores) que devem ser contratados”, acusa. “A maioria (desses atletas) veteranos e até parados. No Pará ainda não cabe o executivo. Isso é para os grandes clubes, que possuem estrutura maior”, argumenta.

Guimarães recorda a fase áurea do futebol local. “Já fomos invejados no início dos anos 2000 por todo o Nordeste. Hoje em dia estamos naquela de descer a ladeira cada vez mais. No auge do nosso futebol, nós ombreamos com Ceará, Pernambuco e até com a Bahia. Hoje só ganhamos do Acre, Roraima, Rondônia, Piauí e nem sei se ganhamos da Paraíba”, salienta o calejado narrador.

“No auge do nosso futebol, nós ombreamos com Ceará, Pernambuco e até com a Bahia. Hoje só ganhamos do Acre, Roraima, Rondônia, Piauí e nem sei se ganhamos da Paraíba”. Cláudio Guimarães, radialista.

Futebol local perdeu a sua identidade?

SEM PRATAS DA CASA

Com a militância de mais de 30 anos no futebol paraense, pelo qual coleciona uma enorme quantidade de títulos locais e nacionais, entre estes últimos o bicampeonato da Série B (1991 e 2001) pelo Paysandu, o paulista da cidade de São Carlos, Rogério Gameleira, o Rogerinho, de 53 anos, aponta a solução para que Leão e Papão voltem a ser os grandes protagonistas do futebol da região Norte. Para ele, os dois maiores clubes locais precisam valorizar o atleta formado em suas próprias casas e aqueles que apareçam com destaque em outros clubes paraenses.

Mesmo tendo vindo do Botafogo-SP, em 1989, para a Curuzu, Rogerinho, que atuou também pelo Clube do Remo, afirma que a importação desenfreada de jogadores tem prejudicado os clubes. “Entendo que a vinda de tantos atletas de fora só tem feito com que os times sejam formados com profissionais sem nenhuma identidade com o futebol do Pará”, acusa. “Não consigo imaginar e aceitar que não existam jogadores daqui que não tenham qualidade para jogar em Paysandu e Clube do Remo. É claro que têm”, garante.

Rogerinho salienta que em sua época na Curuzu e Baenão o número de jogadores locais nos elencos dos clubes era muito mais significativo. “Os grupos contavam com 70%, 80% de jogadores daqui ou que já estavam aqui há muito tempo. As contratações de atletas de fora eram sempre pontuais”, observa. “Hoje, qual o jogador paraense que está no time do Paysandu? No Remo tivemos uns dois, três atletas locais este ano, quando muito. Então, o futebol local perdeu a sua identidade, ficou descaracterizado, como disse, e para voltar a ser o que era, precisa priorizar o jogador da região, importando o mínimo necessário, do contrário vai continuar na mesma por muito tempo”, diz.

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