É verdade que os tempos são outros. Há todo um protocolo nas regras de convivência e comportamento no futebol. A relação entre atleta e clube se profissionalizou tanto, envolve tantos interesses de parte a parte, que atitudes de indisciplina não costumam mais ser toleradas. Existe, porém, uma linha de bom senso que deve nortear a cobrança e o rigor para casos que atentam contra normas internas.

Refiro-me ao episódio que envolveu Felipe Gedoz, Djalma, João Diogo e Wellison, profissionais do Remo que se envolveram num evento beneficente às vésperas do Natal. A boa intenção da “pelada de fim de ano” disputada pelo quarteto colide com os cuidados que atletas devem ter para evitar lesões em meio a uma competição importante.

Imagens na internet revelaram a participação dos jogadores no evento. É claro que a diretoria precisava ser rápida e firme para coibir a indisciplina. O problema está apenas no peso aplicado às punições. Com exceção de Gedoz, todos foram afastados sumariamente.

Fica a dúvida se a situação não exigiria apuração mais criteriosa dos acontecimentos. Caberia ouvir todos os jogadores envolvidos e o posicionamento de cada um. Além disso, a exclusão de Gedoz da lista de dispensas, sofrendo somente multa (30% dos salários), representa tratamento diferenciado para um “delito” único.

Ao mesmo tempo, fica a expectativa quanto à reação do elenco em relação ao castigo aplicado. Como todo agrupamento humano, jogadores de futebol costumam ser corporativistas e sensíveis a eventuais injustiças.

Nas palavras do técnico Paulo Bonamigo, o grupo teria assimilado o desfecho da história – “principalmente os mais profissionais” – acatando a decisão da diretoria. Ficou no ar a dúvida quanto à reação dos “menos profissionais”. Teriam absorvido bem a punição?

O Remo vai a campo hoje para um confronto decisivo com o Ypiranga. Uma vitória deixará o time a três pontos do acesso, faltando três jogos por realizar. Nunca a subida à Série B esteve tão ao alcance da mão, a partir de uma campanha notável, que inclui dois triunfos sobre o maior rival.


A presença de jogadores experimentados, na faixa dos 30 anos ou até acima, como Marlon, Lucas Siqueira, Eduardo Ramos, Vinícius, Rafael Jansen e Mimica, responde pela força mental que tem sido item de destaque nos momentos mais difíceis e desafiadores.

Todo esse arcabouço emocional não pode vir a ser sabotado por uma decisão administrativa. Afinal, mais importante do que manter a casa em ordem é garantir a vitória sobre o representante gaúcho, que vem a Belém em modo desespero, após duas derrotas.

Ao Remo cabe ter tranquilidade e a consciência de que as grandes vitórias começam a ser construídas também fora do campo.

De como o Bahia transformou limão em limonada

 

“Posso dizer com um bom nível de orgulho: quis o destino que um dos clubes mais antirracistas do Brasil tivesse um atleta acusado de racismo. Primeiro, ressalto a gravidade da acusação. Nesse nível de acusação, a voz da vítima tem uma relevância muito grande. Não há motivo para inventar uma história dessa. A voz da vítima é muito significativa em um fato como esse. Mas é preciso garantir algo muito importante, que é o direito ao contraditório. É fundamental. É isso que temos feito”.

As palavras são de Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, a respeito do episódio de injúria racial que pôs na berlinda o clube mais engajado na construção de um projeto identitário e o que mais investe na conscientização de atletas e funcionários contra a intolerância e o ódio.

Bellintani é um dirigente moderno, do tipo que dá a cara a tapa, participa de debates, busca o contraditório. O episódio envolvendo o colombiano Índio Ramirez e o rubro-negro Gerson expôs, com extrema clareza, sua visão política afiada e o preparo para lidar com um tema tão espinhoso.

Conversou demoradamente com Ramirez, que negou ter proferido qualquer ofensa de cunho racial. Por iniciativa própria, procurou Gerson para saber detalhes do ocorrido, ouvindo a confirmação da denúncia. Independentemente do desdobramento e da apuração dos fatos, solidarizou-se com o jogador em nome do Bahia.

Importante: ao contrário de Mano Menezes, que debochou de Gerson em meio à discussão no gramado, Bellintani em nenhum momento colocou em dúvida as palavras da vítima. Sereno, direto e franco, informou que Ramirez seria inicialmente afastado do elenco, até que a apuração dos fatos se completasse. Solicitou todas as imagens da cena entre os jogadores e mergulhou num processo interno de avaliação.

Na quinta-feira, 24, quando o caso já havia ganhado novos desdobramentos, Ramirez foi reincorporado ao elenco, sem que o clube fizesse qualquer menção de desmentir Gerson. Considerou apenas que não havia como comprovar a injúria.

Em entrevista ao Globo, revelou que não se restringiu a escutar jogadores e comissão técnica. “Tenho conversado com pessoas do movimento negro, de Salvador, que já trabalham com a gente no Núcleo de Ações Afirmativas. As próprias opiniões e leitura sobre o tema são diferentes. A gente tenta construir um processo, e depois uma decisão”.

Coisa de quem entende de verdade a problemática do racismo como algo estrutural e que vai muito além de episódios isolados. Guilherme Bellintani, anotem este nome.

Bola na Torre

 

Guilherme Guerreiro comanda o programa, na RBATV, logo depois da transmissão da NBA. Participação de Valmir Rodrigues e deste escriba de Baião. A direção é de Toninho Costa.

 

 

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