Oscar Schmidt chegou da padaria com sua mãe pela manhã, desceu do carro se queixando das dores do basquete e direcionou a reportagem do UOL Esporte à sala dos troféus da casa em que vive desde 1998, na região metropolitana de São Paulo. “Você não imagina o orgulho que tenho disso aqui”, disse. O local é um santuário com detalhes que marcaram a carreira e vida pessoal do maior jogador de basquete do Brasil.
Todos os dias, Oscar senta no sofá branco, coloca uma música e fica admirando os objetos que ele mesmo organizou. Ele sabe a posição de cada caneca, medalha e rede de cesta. E permite que qualquer um toque em seus tesouros. Até mesmo no troféu do Mundial de clubes que venceu com o Sírio em 1979. Desde que o caneco dourado volte ao seu lugar, na mesma posição em que o visitante encontrou.
É de um prazer gigante estar aqui. Eu olho, penso: ‘Aquele dia foi legal para caramba’. Fico relembrando cada conquista dos troféus. Para mim faz muito bem. Eu saio e penso: ‘Porra, sou bom para cacete. Fui bom'”.
Foi nesse sofá que o papo se estendeu até o início da tarde. Oscar refletiu sobre o quanto a pandemia afetou a sociedade brasileira, declarou que ainda não sabe em quem votará para presidente, disse que está curado do câncer no cérebro, se derreteu ao falar do irmão Tadeu Schmidt e comentou que daqui para frente, seu objetivo é ser um pai melhor.
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Cabeça também é santa
Desde que se aposentou em 2003, Oscar se descobriu como palestrante motivacional. Nem ele imaginava que tinha tanto talento para isso. Nas apresentações, o ídolo brasileiro fala justamente sobre o sucesso de sua carreira a funcionários de empresas dos mais diversos ramos.
Os frutos dessas palestras também estão na sala de troféus. Oscar conquistou cinco prêmios Top of Mind de RH de palestrante motivacional e não quer parar tão cedo. Um dos maiores motivos é a renda familiar. “Não é igual ao basquete. Posso falar ao público até com mais de 80, certo?”
“Primeiro a pandemia me deu uma quebrada. Se eu não tivesse uns apartamentos alugados, não sei como eu ia fazer. Vivi do aluguel mesmo. Cortei vários gastos e a gente conseguiu sobreviver bem. Só bem para frente que eu descobri um jeito de fazer palestras daqui. Inventei uma palestra online. Essa foi uma salvação. A vida mudou para melhor. Não dava para cobrar o que eu cobrava presencial, mas entrava um dinheiro para o mês. Foi assim que eu passei a pandemia”, contou Oscar.
“Vai continuar a mesma m…”
Reflexivo, Oscar teve de assimilar viver em uma pandemia enquanto lidava com sua própria doença. Se já era uma pessoa atenta, agora está triplamente cauteloso. “Morrer não é uma coisa que as pessoas gostam. Covid mata. Aprendi que você não pode bobear ou vai morrer. Não vejo ninguém que ressuscitou, a não ser Jesus”, comentou.
Por outro lado, Oscar julga que a sociedade brasileira não evoluiu positivamente e sequer aprendeu a conviver com a doença. “Vai continuar a mesma merda, infelizmente”, disse. Em ano de eleição, o ídolo teme que o baque causado pela pandemia influenciará a população nas urnas.
“Eu gostaria muito que tivesse um progresso de vida, mas vai ser muito difícil. O povo está sem comida. A pandemia foi um desastre para o Brasil. Espero que isso passe logo e que a gente saiba votar um dia. Com fome é difícil saber votar. Não tem o que fazer. Espero que o povo brasileiro consiga se alimentar bem. Espero que isso volte, para aprendermos com nossos erros e acertos.”
Ao mesmo tempo que o brasileiro torcia para mim de uma maneira extasiante, ele não sabe votar. Eu vi isso com minha funcionária, que está em casa diariamente. Eu perguntei: ‘Você sabe em quem votou para deputado?’ Ela falou: ‘Não lembro. Mas foi um cara na minha casa, todo arrumado, me deu uma cesta básica. Eu votei nele’. Pois é. É um reflexo do brasileiro.”
Política para os políticos
Na última entrevista que deu ao UOL há dois anos, Oscar falou bastante sobre política. Ele estava indignado com a gestão do presidente Jair Bolsonaro durante a pandemia e arrependido por ter votado nele, em 2018, para comandar o país. Desta vez, o ex-jogador minimizou o tom, preferiu “deixar a política para os políticos”. Hoje tem dúvidas em relação aos candidatos.
“Quem sou eu para comentar de política? Tenho que comentar o que aparece na minha casa, na minha rotina. Não sei nem em quem vou votar. Esse ano vai ser complicadinho. Mas tenho que votar em alguém. Vamos ver mais para frente”, disse.
“Não sei ainda se vou votar no Bolsonaro ou no Lula. Provavelmente no Bolsonaro. Quero esperar um pouco para ver o que acontece, se as opiniões dele valem. Não acredito na terceira via. Vai ser um dos dois. Não sei dizer qual seria melhor. Espero o momento em que a disputa ficar mais acirrada para decidir. Está difícil. Eu tinha muito otimismo com o Brasil, mas, ao mesmo tempo, não tenho mais esse otimismo. Vou escolher na hora”, completou.
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Poucos amigos
Com a evolução da vacinação, Oscar pôde rever os bons amigos ou, como ele mesmo prefere dizer, “as pessoas importantes que estenderam a mão no passado”. Há quem pense que o ídolo brasileiro tem companheiros sobrando, mas não é bem assim. Aquariano, nascido em 16 de fevereiro de 1958, ele mesmo explica que tem um gênio complicado.
“Por mais que eu tenha essa fama no Brasil, eu tenho poucos amigos. Pouquíssimos. Ninguém me aguenta. Cabe em uma mão os amigos que tenho. Amigo mesmo, aquele que você começa a falar e o cara fica ouvindo… Amizade, você tem que tomar muito cuidado com elas. Muito mesmo. A maioria quer se aproveitar. Quando você encontra alguém que não quer se aproveitar, amigo de verdade, tome conta dele, é seu amigo mesmo. Eu tenho, no máximo, cinco. Talvez três”, falou Oscar.
Amigo é mais importante que parente. Amigo você escolhe, parente vem imposto para você. Mas a família é boa também. Gosto muito dos meus irmãos e da minha mãe. Somos muito unidos.”
Um pai (e irmão) melhor
Oscar respirou fundo ao olhar novamente pela sala. Depois de tudo aquilo, o que será que o maior cestinha do basquete brasileiro deseja? É simples. Ele quer uma vida tranquila, poder palestrar por muitos anos, ter família por perto e ser um pai cada vez melhor.
Filhos de Oscar e Maria Cristina, Felipe e Stephanie são vizinhos. Os irmãos vivem em um condomínio próximo ao dos pais e sempre estão por perto, ajudando com as palestras à distância, agendando entrevistas e compromissos publicitários.
Oscar também tem o irmão Tadeu Schmidt, que é como um filho para ele. O atual apresentador do Big Brother Brasil é 17 anos mais novo que o irmão, que não economiza palavras para falar do orgulho que sente do caçula.
“O Tadeu é gênio. Onde você botar ele na TV, ele vai arrasar. Foi o destaque disparado do último BBB. Ele é muito dedicado. No começo da carreira dele como jornalista, eu era meio que ‘irmão-pai’. Eu falava o que ele tinha que pedir nos contratos. Nem sempre ele conseguia tudo, mas conseguia alguma coisa. O tempo foi passando, ele aprendeu a fazer contratos sozinho. Eu falei: ‘Vai você, que você já sabe’. Antes, ele me ligava até para saber de gravata. ‘Que gravata você usaria com essa camisa?'”, contou Oscar.
“O Tadeu decidiu pelo jornalismo da cabeça dele. Ninguém falou nada. Ele fez faculdade, se formou. Foi para o Rio por méritos próprios. Eu não liguei para ninguém para pedir favor. E falei para ele: ‘Você está em um bom caminho, Tadeu, só não pisar na bola’. Na Globo é assim: pisou na bola, rua. Hoje em dia, mais ainda. Tem muito profissional dando sopa por aí.”
“Decidi parar a quimio. Estou curado”
A sala de troféus tem tem também uma máscara. É o troféu da última vitória do ex-jogador. Foi com ela que Oscar dez radioterapia durante o tratamento contra um câncer no cérebro, doença que descobriu em 2011. Hoje, ele se considera curado. Fez a última sessão de quimioterapia no mês passado.
A decisão de parar com a terapia foi tomada junto com seu médico, mas os cuidados ainda não terminaram, porque Oscar precisa fazer exames periódicos. E disso ele não tem medo. O ex-jogador conta ter encarado a doença sem medo de morrer. Esse sentimento, segundo ele, tranquilizou muito a família.
“O doutor já tinha falado há alguns anos que estava pensando em parar. Eu falei: ‘Você quer me matar, doutor?’. Mas agora eu mesmo resolvi parar. A quimioterapia que eu fazia era pesada, eu ficava muito cansado. Também fiz um mês de radioterapia. Espero que eu esteja livre agora. Acho que me curei. O importante é achar que curou”, disse.
Sua maior preocupação agora é encontrar os selos para compor sua coleção. Sim, selos mesmo, aqueles das cartas. É que a coleção de Oscar anda desfalcada desde a morte de seu fornecedor, há dois anos. Ele também quer marcar a próxima pescaria nos Estados Unidos.
No fim, Oscar agradeceu o papo e pediu ajuda para levantar do sofá. Em algumas situações, os joelhos já não permitem que ele se levante sozinho. Depois, ele nos conduziu à saída de sua casa tranquilo, com a certeza de que o câncer ficou no passado.
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