Apesar dos enormes avanços conquistados
nas últimas décadas, seja dentro ou fora de campo, a situação das mulheres no
futebol brasileiro está longe de ser um mar de rosas. Assim como ocorre em
muitas outras áreas da vida pública, ainda há um longo caminho a percorrer na busca
por um tratamento igualitário nos estádios de futebol. Nesse contexto, um dos
maiores desafios que seguem ameaçando a presença feminina nas arquibancadas é a
violência de gênero, que muitas vezes se manifesta por meio de práticas
machistas como a importunação sexual. Uma realidade que reflete a persistência
da cultura do estupro na sociedade brasileira, como demonstram várias
pesquisas.

A respeito desse problema, o
16º Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, publicado pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) no início deste mês de março, mostrou
que quase a metade das brasileiras (46,7%) já sofreram algum tipo de assédio. Maior
índice registrado desde o início da pesquisa, em
2017. O levantamento, que é feito em
parceria com o Instituto Datafolha, também aponta que, somente no ano passado, os
casos de assédio somaram 4.922, representando um aumento de 2,3%, e os de
importunação sexual chegaram a 19.209, um acréscimo de 9% em relação a 2021.

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Segundo os dados, o transporte
público é apontado como um dos locais mais inseguros para o público feminino,
uma vez que 12,8% das mulheres relataram ter sido assediadas fisicamente em
ônibus, metrôs e similares. Número que também apresenta aumento em comparação
ao ano anterior, quando esse cenário foi apresentado por 7,9% das mulheres. No
entanto, outros espaços de reunião de grandes multidões também são costumeiramente
palco de situações, no mínimo, desagradáveis para o público feminino, como é o
caso dos estádios de futebol.

NÚMEROS DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO
NOS ESTÁDIOS PARAENSES

Um estudo realizado para a
dissertação de mestrado em Segurança Pública da advogada Vanessa Egla pelo
Programa de Pós-Graduação em Segurança Pública da Universidade Federal do Pará
(UFPA), cujo tema foi “Violência contra a mulher nos estádios de futebol de
Belém/Pará-Brasil”, identificou o perfil das mulheres torcedoras por meio de
entrevistas com frequentadoras dos estádios de futebol da capital.

 











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A pesquisa revelou que: 88,81%
das torcedoras paraenses são heterossexuais, sendo que 29,85% delas têm de 30 a
39 anos. Além disso, 79,10% das entrevistadas disseram entender o estádio de
futebol como um ambiente perigoso/violento para mulheres, e impressionantes
86,57% enxergam o estádio de futebol como um ambiente machista.

“Quanto à questão da violência
de gênero propriamente dita, o estudo que realizamos no período entre 2010 e
2020 constatamos que dentre as mulheres torcedoras que apontaram ter sofrido algum
tipo de violência nos estádios constatou que 40% sofreu violência sexual, sendo
que outros 40% sofreu violência moral, 15% sofreu violência patrimonial, e 5%
sofreu violência física. O que significa dizer que a violência sexual e a moral
são os principais tipos de violências cometidas contra mulheres nos estádios de
Belém”, aponta a estudiosa do tema, que é uma torcedora apaixonada pelo Clube do Remo.


A pesquisa, acrescenta Vanessa
Egla, foi mais longe e conseguiu identificar as quatro principais formas de
violência sexual sofridas pelo público feminino. “Constatamos que 38,89 das
torcedoras foram vítimas de atos sexistas, como assobios, olhares maliciosos,
cantadas, gestos sexuais e cerca de 33% das entrevistadas foram assediadas com
palavras de cunho sexual ou chamadas de ‘gostosa’. Outras 11,11% foram apalpadas
sem consentimento e 16,67% perceberam que alguém tentou lhe embebedar para
fazer sexo”, detalha a advogada, que acrescenta um dado que evidencia ainda mais
a sensação de insegurança que muitas mulheres sentem durante as partidas de
futebol. “Observamos que 100% das vítimas não registrou boletim de ocorrência.
Destas, 33% não o fez porque acreditou que a denúncia não daria em nada”.

ESPAÇO MASCULINIZADO E
MACHISTA

Na visão da acadêmica, esses
números da violência contra as mulheres nos estádios de futebol paraenses
possuem raízes históricas e sociais. Ela argumenta que os espaços dedicados aos
torcedores sempre foram masculinizados e, por consequência, um terreno fértil
para as mais diversas manifestações do machismo estrutural da sociedade
brasileira.

“O estádio de futebol é um
ambiente repleto de masculinidades. Significa dizer que foi originalmente
criado para homens e pensado para homens. Tanto os homens torcedores, quanto os
profissionais do futebol, sejam jogadores, árbitros ou repórteres”, afirma a
estudiosa.

Atual titular da Agência Distrital de Mosqueiro (Admos), Vanessa Egla lembra que, apesar dos grandes avanços conquistados pelas mulheres na área, a construção do espaço do torcedor segue respondendo aos traços culturais da sociedade brasileira, que continua reproduzindo uma ideologia patriarcal e machista. Exatamente por essa razão, recentemente ela usou as redes sociais para destacar a importância do debate realizado pelo Troféu Camisa 13, cujo tema foi justamente a presença feminina no futebol paraense,

“Embora as mulheres sempre
tenham frequentado os estádios desde que o futebol se popularizou como uma
paixão brasileira, o papel da mulher foi se modificando ao longo das décadas.
Quando do surgimento do esporte bretão, as mulheres iam acompanhadas de pais e
irmãos, geralmente com o objetivo de arrumar um bom partido para casar, tendo
em vista que originariamente o esporte se restringia às altas elites.
Inclusive, uma das explicações da origem do termo ‘torcedora’ referenda o fato
de as mulheres no estádio, em momentos de aflição e tensão, torcerem seus
lenços para descarregar as emoções trazidas pelo esporte”, pontua.

Apesar desse cenário, Vanessa
Egla admite que há indícios de mudanças nas últimas décadas. Por exemplo, o
crescente aumento da presença feminina em todos os ambientes ligados ao
esporte. No entanto, ela observa que essa evolução ainda encontra muitas barreiras,
como é o caso da violência de gênero.

 “Com a ascensão do futebol pelas massas, as
mulheres continuaram frequentando os estádios. Com nova roupagem, mas ainda em
minoria, sempre acompanhadas e tendentes a esconderem suas feminilidades,
usando roupas largas, compridas, cabelo preso em bonés ou chapéus, de forma que
ficassem indetectáveis enquanto mulher em um ambiente masculinizado. Nas duas
últimas décadas, contudo, o movimento de mulheres que permeiam o futebol,
principalmente as torcedoras, cresceu consideravelmente e novamente mudou de
roupagem. Hoje a mulherada já ocupa as arquibancadas em pé de igualdade com os
homens e, em grande parte, já assumem as feminilidades em suas vestes e
comportamentos. Contudo, a violência ainda persiste contra nossos corpos e
ainda temos muito a avançar”.

 











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MUDANÇA PARADIGMÁTICA E
COLETIVOS FEMININOS

Integrante do Movimento Feminino de Arquibancada (MFA), um coletivo de mulheres que luta para mudar o cenário de assédios e violências no meio do futebol, a pesquisadora acredita que a
solução para os recorrentes casos de violência contra as mulheres, independentemente do local, perpassa por
uma mudança paradigmática da sociedade e por uma rede de medidas a serem
adotadas por todos os agentes sociais que fazem o futebol.

“Quando se fala em mulher no
esporte, aduz-se inconscientemente à sexualização. Tentamos logo encontrar uma
musa. É quase automático. Em 2016, o Atlético Mineiro apresentou seus uniformes
da temporada com homens completamente trajados e com mulheres de biquíni.
Precisamos mudar esse paradigma”, pondera Vanessa Egla. “As campanhas dos
clubes em prol das mulheres ocorrem apenas em março. Precisamos de uma campanha
permanente, precisamos de amparo legal e, mais do que isso, precisamos de
aplicabilidade das normas, de efetividade. Só assim venceremos as violências
nos estádios”, aponta Vanessa Egla.












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Enquanto essas mudanças
estruturais não são implementadas de modo efetivo, as mulheres não esperam de
braços cruzados. Muito pelo contrário, a cada dia elas estão mais dispostas a
lutar para provar que esse espaço é delas também, seja nas quatro linhas do
campo ou nas arquibancadas.

Por esse motivo, explica
Vanessa Egla, vários coletivos, movimentos e até mesmo torcidas organizadas
femininas têm surgidos por todo o país nos últimos anos. Segundo ela, são
grupos de torcedoras que lutam por mais para reforçar a presença feminina nos
estádios.

“Muitas mulheres deixam sim de
frequentar estádios quando se vêem desacompanhadas. Observamos que as
torcedoras frequentam os estádios em grupo, como uma forma de se proteger. O
surgimento de grupos de mulheres torcedoras há algumas décadas foi, além de uma
forma de expressar o amor pelo time, também uma forma de autoproteção coletiva
contra os crimes vivenciados por mulheres nos estádios”, explica.

CASOS RECENTES DE VIOLÊNCIA
CONTRA MULHER EM BELÉM

No Re-Pa da última quarta-feira (29), válido pelas semifinais da Copa Verde, um torcedor foi preso acusado de importunação sexual. Esse caso, segundo  Vanessa Egla, é apenas o mais recente exemplo dos riscos aos quais as mulheres estão expostas nas praças esportivas.

 











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“Em Belém, alguns casos
recentes de violência contra as mulheres merecem menção, como a torcedora do
Remo que denunciou publicamente ter sido apalpada por um homem desconhecido no
último jogo entre Tuna x Remo, no estádio Francisco Vasques. Mesmo tendo
denunciado à segurança, o homem foi capturado, depois solto, depois fugiu sem
nenhum tipo de consequência”, recorda a pesquisadora.

“No estádio Leônidas Castro,
uma componente do staff do Clube do Remo foi alvejada com socos e empurrões
dentro do gramado e não há notícias das consequências. Em outra ocasião, uma
jogadora de futebol do Paysandu Sport Club teve uma crise de choro no gramado
após ter ouvido ser chamada de ‘macaca’ por um torcedor, e não se tem notícias
das penalidades”, enfatiza Vanessa Egla.

“Também houve um caso ocorrido
no estádio Mangueirão, em 2020, quando uma torcedora do Remo denunciou
publicamente que foi assediada por um homem que se dizia membro do staff do próprio
Clube do Remo e até hoje não se tem notícias das consequências ou penalidades,
mesmo que os trâmites judiciais tenham sido seguidos pela torcedora”, pontua.

De acordo com a especialista,
“todos os casos mencionados são públicos, muitos com projeção na mídia e com
grande repercussão, e ainda assim sem um desfecho de aplicabilidade das normas”.

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