Um juiz federal de Santos decidiu que Neymar terá que pagar
uma multa aplicada para contribuintes que cometeram sonegação, fraude e
conluio, de acordo com a lei. Publicada na última segunda-feira (31 de
outubro), a decisão, por outro lado, diminuiu o valor que Neymar deve à Receita
Federal, já que a Justiça concordou com alguns de seus argumentos e o autorizou
a abater do valor devido no Brasil impostos já pagos na Espanha.

O valor que o atacante do PSG e da seleção terá que pagar à
Receita ainda é desconhecido e será calculado ao final do processo, levando em
consideração uma série de fatores. A multa original, cobrada em 2015, era de
mais de R$ 188 milhões, mas uma série de decisões favoráveis ao jogador deve
diminuir bastante esse montante. Como a decisão é de primeira instância, ainda
cabe recurso, tanto de Neymar quanto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,
o órgão responsável por defender o Estado.

O processo foi movido por Neymar, seu pai (Neymar da Silva
Santos) e sua mãe (Nadine Gonçalves) e duas empresas da família, que questionavam
uma multa aplicada pela Receita por transações feitas entre 2011 e 2013, este
último o ano no qual Neymar se transferiu do Santos ao Barcelona. Segundo a
Receita, a família Neymar simulou negócios com o único objetivo de pagar menos
impostos. O juiz Decio Gabriel Gimenez, da 3ª Vara Federal de Santos,
concordou:

“O comportamento dos autores permite qualificar a
conduta praticada, visto que houve ajuste, livre e consciente, entre as pessoas
envolvidas, colidente com a boa-fé objetiva, com vistas a qualificar um
acréscimo patrimonial como indenização, por meio da utilização de multa
contratual, com vistas a evitar a imposição fiscal e a responsabilização
tributária do atleta”, escreveu o magistrado.

Na prática, o juiz admitiu que a Receita poderá cobrar uma
multa de 150% sobre o valor do imposto devido. Essa multa é aplicada para casos
de “sonegação, fraude e conluio”, segundo a lei 4.502, de 1964.

O que Neymar e sua família fizeram. Ainda quando Neymar
jogava no Santos, seus pais abriram duas empresas para administrar sua
carreira, negociar seus direitos e receber verba de contratos que Neymar
assinava. Entre 2011 e 2013, o Barcelona pagou 40 milhões de euros a uma dessas
empresas para ter o direito de contratar Neymar quando ele saísse do Santos. A
empresa pagou imposto de renda por essa transferência, mas com uma alíquota
menor, especial para pessoas jurídicas. A Receita entendeu que o valor pago
pelo Barça era destinado a Neymar como pessoa física e, portanto, deveria ser
tributado em 27,5%. O mesmo procedimento foi adotado em outros contratos de
Neymar, como os de direito de imagem, pagos à empresa e não ao jogador como
pessoa física.

A Receita multou Neymar e seu familiares por considerar que
esse tipo de operação é uma forma de ludibriar o Fisco e sonegar impostos.

Juiz diz que faltou boa-fé e questiona idoneidade dos
negócios. Diz o juiz Decio Gabriel Gimenez: “Considerado esse quadro
fático, a meu sentir, além dos aspectos formais objeto do auto de infração, que
colocam em dúvida a idoneidade da transação, há no mínimo três aspectos
materiais críticos, que comprometem a aceitação da operação, visto que colidem
com o princípio da boa-fé objetiva.”

 


Esses aspectos seriam:

1 – Neymar escolheu receber 40 milhões de euros do Barcelona
na forma de multa como um “subterfúgio”, uma maneira de esconder que
esse valor era na verdade renda própria e, portanto, deveria ser tributada como
renda de pessoa física.

2 – Neymar tentou receber como pessoa jurídica,
“vendendo” ao Barcelona o direito de contratá-lo no futuro, um
direito incerto, já que ele tinha contrato com o Santos.

3 – Neymar fez o contrato com o Barcelona sem ter a total
anuência do Santos, clube para o qual trabalhava na ocasião.

 

O juiz também argumentou que o próprio Barcelona, ao ser
questionado pelas autoridades espanholas, mudou sua declaração dos valores
envolvidos na transferência de Neymar e recolheu imposto com a alíquota de pessoa
física, maior do que a de jurídica.

POR QUE A EQUIPE DE NEYMAR COMEMOROU A DECISÃO?

Apesar de manter a multa por sonegação, o juiz Decio Gabriel
Gimenez concordou com dois importantes argumentos dos advogados de Neymar, o
que pode levar o jogador a ficar quite com a Receita.

A primeira delas é o reconhecimento de que os direitos de
imagem que o Santos pagou entre 2011 e 2013 às empresas da família de Neymar
podiam sim ser tributados como rendimento de pessoa jurídica, com alíquota
menor do que a de pessoa física. Os direitos de imagem são pagos a jogadores de
futebol por eles terem a imagem explorada em campanhas publicitárias e na
divulgação dos clubes e dos campeonatos. Geralmente, são valores superiores aos
salários registrados em carteira. Por isso, é importante para os atletas que
essas verbas sejam pagas a suas empresas, assim eles podem pagar menos imposto.

A outra e talvez a mais importante é que o juiz aceitou que
Neymar use a quantia que ele já pagou de imposto na Espanha para abater sua
dívida com o Estado brasileiro. Desde 1999 existe um acordo para evitar que
pessoas que transitam entre os dois países paguem imposto duas vezes. De acordo
com a sentença, Neymar já pagou 8 milhões de euros pelos 40 milhões que o
Barcelona transferiu, e agora essa quantia poderá ser deduzida de sua dívida no
Brasil.

Procurada pela reportagem para comentar o caso, a assessoria
de imprensa de Neymar afirmou que nem ele, nem seus pais ou seus advogados se
pronunciariam publicamente.

QUANTO É A DÍVIDA DE NEYMAR HOJE?

Não dá para saber. Os documentos oficiais consultados pela
reportagem não mostram a atualização da dívida depois das decisões favoráveis e
contrárias a Neymar. Seu caso já tramita desde 2015 no Carf (Conselho de
Administração de Recursos Fiscais), um órgão vinculado ao Ministério da
Economia que julga reclamações de contribuintes. Naquela época, o montante foi
calculado exatamente em R$ 188.820.129,25. Depois de várias decisões contrárias
e favoráveis ao jogador, inclusive as da última segunda-feira, esse montante
precisará ser recalculado.

Depois do julgamento do Carf em 2017, a equipe que defende
Neymar afirmou ter calculado que a dívida seria abatida de R$ 188 milhões para
cerca de R$ 8 milhões, mas esse não era um número oficial. A reportagem entrou
em contato com Bianca Rothschild, que foi relatora do processo no Carf em 2017,
e ela afirmou não ter como precisar o valor atual da dívida. “O Carf não é
responsável pela liquidação. Ou seja, não apura os valores finais devidos no
processo após a decisão”, disse ela.

Agora, a defesa de Neymar tem dito a jornalistas que a
dívida deve ser zerada, em razão dos impostos já pagos na Espanha. Mas não
existe um cálculo oficial sobre isso. “Essa é uma conta difícil de fazer
sem ter o demonstrativo do débito que normalmente acompanha os autos de
infração”, afirmou Paulo Vieira da Rocha, professor de direito tributário
e sócio do VRMA Advogados. “Alguns tribunais administrativos dão um valor
aproximado, embora o valor exato no final nunca seja o mesmo. Seriam necessários
os autos e muitas horas de trabalho para chegar ao valor exato.”

A pedido da reportagem, o tributarista Flavio Sanches, sócio
da área tributária do CSMV Advogados, que não tem ligação com o caso, fez um
cálculo aproximado com base nos números que encontrou na sentença. Os valores a
seguir estão em euros:

Neymar recebeu 40 milhões e deveria ter pagado 11 milhões de
imposto de renda no Brasil. Ele acabou pagando 8 milhões à Espanha. Como esse
valor pode ser abatido de sua dívida no Brasil, então ele estaria devendo 3
milhões à Receita brasileira (valores todos em euros). Como recebeu uma multa
de sonegação de 150% sobre esse valor, a dívida total estaria em 7,5 milhões de
euros. O montante ainda teria que ser corrigido pela taxa de câmbio da época e
pela taxa Selic.

SENTENÇA DEFINE QUE NEYMAR PRATICOU SONEGAÇÃO DE IMPOSTO,
FRAUDE E CONLUIO?

Diz o tributarista Paulo Vieira da Rocha: “Essa não é
uma resposta que eu possa dar de forma categoria, mas em princípio, sim. A
multa qualificada significa que na visão do juiz, o jogador incidiu nesses
ilícitos. O juiz não deixa muito claro se é uma fraude ou uma simulação. Pela
narrativa que o juiz faz, pela leitura que ele, a Procuradoria e a Receita
fazem do contrato, eles acreditam que o contrato tem significativos traços de
simulação. Até porque esses ilícitos são pressupostos da multa qualificada. O
juiz não teria outra razão pra manter a multa se não fosse a incidência desses
ilícitos.”

NEYMAR FOI AJUDADO POR JAIR BOLSONARO PARA PAGAR MENOS
IMPOSTOS?

Depois do apoio intenso que Neymar deu à campanha de
reeleição de Jair Bolsonaro, passou a circular a ideia de que o presidente
teria influenciado a Receita Federal a beneficiar seu cabo eleitoral. Em uma
entrevista durante o segundo turno, seu adversário, Lula, afirmou que Bolsonaro
e Neymar fizeram um acordo para melhorar a situação fiscal do jogador.

No entanto, não há nos documentos oficiais consultados pela
reportagem nada que permita chegar a essa conclusão. A decisão do Carf, um
órgão do Ministério da Economia, foi tomada em 2017, ainda sob a gestão de
Michel Temer. Neymar entrou com recurso a uma instância superior em abril de
2019, já no governo Bolsonaro. Quatro dias depois, seu pai encontrou o ministro
Paulo Guedes em Brasília para tratar do assunto. Mas o recurso não foi
apreciado, a multa foi mantida pelo Carf, e Neymar resolveu abrir um processo
na Justiça, saindo da esfera de influência do governo.

“Não vejo a menor relação entre uma coisa e
outra”, afirmou o tributarista independente Paulo Vieira da Rocha. “O
auto de infração é anterior ao atual governo. O julgamento seguiu o
entendimento prevalecente do Carf sobre a matéria, não se desviou em nada do
que ele normalmente entende sobre a matéria. Não vejo nenhuma relação entre
qualquer benefício com a aproximação do jogador com o governo. Essa correlação
que algumas pessoas estão fazendo, com todo respeito, não tem o menor
fundamento.”

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