Em semana de clássico RexPa em Belém, nos deparamos com mais absurdos nas redes sociais: ataques homofóbicos. A orientação sexual de um torcedor do clube do Remo foi colocado em destaque e ele recebeu ofensas na web. Uma foto do torcedor Rodrigo Monteiro e seu namorado tomou conta das redes sociais e ganhou desdobramento, porque eles estavam usando camisa do clube.

A foto percorreu páginas no Facebook, no Instagram e grupos no WhatsApp, com mensagem chamando os dois de “gaymistas”.

Postagem das redes sociais (Foto: Reprodução)

Rodrigo Monteiro é jornalista e atuou como assessor de imprensa do Remo. “Nos meus 40 anos de vida, nunca tinha sofrido qualquer tipo de preconceito ou discriminação. Trabalhei por dois anos no Clube do Remo e nunca sofri por parte dos jogadores ou dirigentes do clube qualquer tipo de preconceito”, explicou.

Após tomar conhecimento através de amigos sobre o que ocorreu, Rodrigo precisou lidar com o preconceito e com problemas de saúde a partir da polêmica. “Não vou deixar de torcer pelo meu time por causa disso. Respeito as equipes. Brincar, tirar sarro é uma coisa. A outra é usar indevidamente uma imagem, expor a pessoa ao ridículo”, contou. Rodrigo já registrou Boletim de Ocorrência sobre o caso, e já sabe quem são os autores das ofensas.

Apesar dos amplos debates sobre casos preconceituosos em diversas áreas, ainda é preciso lidar com questões tão “primitivas”. O assunto é muito mais amplo e envolve, além do clube, torcedores e a sociedade em geral.

Debate

É muito difícil alguém diretamente envolvido com futebol comentar o tema, o preconceito ainda é latente, principalmente pelo “que vão achar de mim?”. Em 2017, o Pro Paz, iniciou uma campanha sobre o combate à LGBTFobia nos campos de futebol. O engajamento dos clubes foi forte, mas, depois disso, nada mais ocorreu. Neste mesmo ano, o Paysandu foi o primeiro clube do Brasil denunciado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) por discriminação de gênero, depois que a Terror Bicolor fez atos homofóbicos contra a Alma Celeste, duas torcidas do clube.

Mas, em 2018, o que está sendo feito? O Paysandu, através da sua diretora de Responsabilidade Social, tem um projeto direto com líderes das suas torcidas. “Nós orientamos os torcedores em relação a essa questão homofóbica, porém, a realidade é que esse tipo de ofensas não são cometidas por ele e, sim, pelo torcedor comum”, disse Ieda Almeida, responsável pelo setor.


Já no Clube do Remo, uma campanha sobre diversidade de gênero seria realizada, mas, até o momento, ainda não saiu do papel. “Chegamos a desenvolver uma peça publicitária de combate de ações homofóbicas, mas não chega a ser um projeto. Pensamos em disparar após lançamento da camisa 2018, mas nada definido”, disse Glauber Pontes, diretor de Marketing e do Nação Azul, do Remo.

“Acredito que hoje em dia as pessoas estejam mais conscientes sobre o assunto. Vejo até aqui a homofobia no esporte, falando especificamente do futebol em Belém, como algo ainda no âmbito da brincadeira, da encarnação; embora isso também possa ser uma forma de violência – psicológica, emocional -, não vejo como algo que se apresente de forma grave por aqui, não. Reitero: ainda não! Então acredito que não vá avançar para violência física pelos comportamentos que temos visto das duas maiores torcidas do nosso Estado”, acrescentou o diretor.

A visão dos clubes é um pouco semelhante aos das torcidas organizadas de Remo e Paysandu. AAlma Celeste, por exemplo, que sofreu com essas questões em 2017, hoje prefere não falar sobre o tema. “Preferimos não tocar mais nesse assunto, mas o que aconteceu foi amplamente divulgado e todos conhecem nossas convicções”, disse Luiz Felipe, da organizada.

A Camisa 33 reconhece a importância do debate, mas acredita que as apatias dos clubes deixam a questão esquecida. “Especificamente no Remo e Paysandu é pior ainda, ninguém se manifesta. Nós fazemos isso nas redes sociais. Na medida do possível, a gente tenta levantar o debate, mas o alcance do clube é maior”, disse Cassio Maciel, membro da organizada. Ele acredida que um debate gera reflexão.

É bom lembrar, que neste domingo (11), terá mais um clássico pelo Parazão.

OUTROS ESPORTES

Fora do campo de futebol, alguns paraenses levantam a bandeira da diversidade e assumem sua orientação em busca da felicidade. A denominação entre esporte feminino e masculino ainda coloca a discursão ainda mais em evidência.

Naiane Rios

Naiane Rios quando esteve em Belém (Foto: Wagner Santana)

A paraense de 23 anos, levantadora da Seleção brasileira, busca sempre falar do tema, defender causas feministas e discutir sobre conscientização em suas redes sociais. “O preconceito ainda é latente em todos os âmbitos da sociedade e no esporte não é diferente, pois é mais uma extensão do espaço social”, analisou Naiane.

O seu posicionamento é pelo coletivo, mesmo não sofrendo preconceito sobre a sua orientação sexual, a jovem sempre opina sobre as causas. “Nunca sofri diretamente por isso, mas já ouvi muita coisa. Quando esse tipo de situação acontece, eu tento não ficar calada. Até porque nos dias de hoje não cabem mais discursos de ódio e preconceituosos”, disse.

“Acho que o preconceito vai sempre existir, infelizmente não tem como erradicar, por isso a melhor forma de desconstruir é colocando em debate todos os assuntos que precisam ser discutidos. Quando colocamos em pauta algum assunto até então não falado, tiramos a invisibilidade e quebramos o tabu. Espero que prossigamos nessa evolução social pois somos diversos e ‘viva’ a diversidade”, acrescentou.

A levantadora acredita que o esporte serve como forma de educação e a luta por esse tipo de causa transforma qualquer discursão em motivo para desmitificar algo preconceituoso que é tão habitual. “Ainda bem que hoje os tempos são outros. Esporte é para todos e gênero não define o que se deve fazer ou não. Esporte é educação, lazer, inclusão e amor”, avaliou.

Sobre as ofensas em estádios através de palavras, Naiane acredita que a questão que a luta precisa existir. “Esse tipo de vocabulário está enraizado nos ambientes. É por aí que a luta caminha também, na desconstrução daquilo que já está impregnado. Precisamos entender que a orientação sexual, gênero, cor ou condição de alguém não define quem ela é e usar isso como xingamento, só perpetua o ódio”, finalizou.

Ian Matos

Ian Matos no Campeonato Mundial de Desportos Aquaticos em 2017, Hungria, Budapeste. (Foto: Satiro Sodré/SSPress/CBDA)

O paraense Ian Matos, da Seleção brasileira de saltos ornamentais, assumiu sua homossexualidade e convive muito bem com isso. Maduro, conscientizado e pronto para falar sobre o tema, ele ressalta que não se pode esquecer “nossa bagagem histórica”. “Há mais de 2 mil anos, em todos os lugares do planeta, vivemos em sociedades patriarcais e isso diz muito sobre nossos posicionamentos hoje. O preconceito racial existe por causa da escravidão e, mesmo ela sendo abolida há séculos, ainda vemos que é algo muito latente na nossa sociedade. Esses preconceitos de raça e orientação sexual ainda vão perdurar por um bom tempo, pois mudanças culturais acontecem de uma forma muito lenta. As lutas ainda são muito importantes”, analisou.

Quando assumiu sua orientação, dezenas de sites destacaram muito mais que o seu esporte, o tema. O atleta acredita que para que a causa mude é preciso de algo bem simples: educação. Ian ainda contou que não sofreu preconceito no esporte, mas na infância sim.

“A questão de esportes masculinos e femininos também é um reflexo da nossa sociedade, a grande maioria das pessoas acha que as coisas são do jeito que são desde sempre, mas o gênero é uma construção social. Fomos nós que inventamos que o rosa é adequado para meninas, enquanto o azul é adequado pra meninos, seguindo essa premissa existem esportes que são considerados mais masculinos e outros mais femininos. No balé, por exemplo, quando bailarinos revelam que são gays as pessoas não se sentem tão chocadas, pois a maioria considera a dança algo do espectro feminino. No caso do futebol, se o esporte é relacionado a homossexualidade, há um impacto muito grande, pois fere a masculinidade dos homens que se identificam com o esporte”, avaliou.

(DOL)

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