partir desse ano, a Série A do Campeonato Brasileiro só poderá ter treinadores com o Curso A da CBF. Gradualmente, essa obrigação chegará à última licença, a Pró. Em dois anos, a Conmebol estipulará a obrigatoriedade da Licença Pró – e suas equivalentes pelo continente – para que os treinadores possam comandar as equipes na Copa Libertadores da América. Dentro do Brasil é um tema delicado, inclusive com disputas judiciais por conta do curso da ABTF (Associação Brasileira Treinadores Futebol).

“Sempre procuro me qualificar na ABTF, que existe desde 1975. Os profissionais que ministram os cursos lá são praticamente os mesmos da CBF, como Carlos Alberto Parreira, Américo Farias”, comenta Samuel Cândido, que vê com certa desconfiança os termos obrigatórios do curso da confederação, em especial pelos altos custos. “Acredito que a CBF esteja fechando o mercado para Série A, B e C. Pelo valor cobrado, cerca de R$ 25 mil fora as despesas, fica difícil para um treinador a nível de Série D. Está tendo uma briga jurídica nesse sentido”.

Os valores, de fato, podem geram impedimentos para os profissionais que trabalham nas menores divisões do futebol nacional. A licença C custa R$ 5.600,00; a B (voltada a profissionais das categorias de base), R$ 7.710,00; a licença A, R$ 10.550,00; e a Pró, R$ 19.130,00. Um treinador que queira tirar todas as licenças vai gastar quase R$ 43 mil.

Mesmo com os preços salgados, Júnior Amorim tem programado ainda para esse ano o curso A. “Vou buscar qualificação no curso da CBF. Cheguei a fazer a inscrição do Curso A, mas tive que ir para o Sampaio Corrêa-MA para ser auxiliar. Depois estive no Rio fazendo estágio com o Alfredo Sampaio (Bangu-RJ), com o Alberto Valentim (Vasco-RJ) e vou voltar em maio para o curso da CBF”. Segundo ele, a partir de certo momento só estará no mercado quem tiver as licenças. “É um curso completo, que te dá muito mais conhecimento. É isso que estou buscando e quero dar voos mais altos”.

Já Agnaldo de Jesus faz um meio termo. Ele reconhece o valor da qualificação, mas faz uma defesa do saber empírico. “Vejo como interessante essa qualificação, mas não é tudo. É importante, mas o dia a dia, a sensibilidade, curso nenhum vai te dar. Essa experiência de conviver com os jogadores é muito importante. Uma coisa influencia a outra”, diz.

EM NÚMEROS

R$ 43 mil. Valor aproximado que um técnico de futebol vai gastar para tirar todas as licenças da CBF.


E MAIS… TOLERÂNCIA ZERO

O fluminense Samuel Cândido defendeu Paysandu, Remo e Tuna como jogador, sendo bicampeão estadual pelo Papão. Como treinador, conquistou o estadual pela dupla Re-Pa. Pelo Paysandu, em 2006, ele não terminou o campeonato, mas esteve à frente do elenco até o primeiro jogo da decisão. Hoje, no Paragominas, tem a segunda melhor campanha geral do Parazão, atrás apenas do Paysandu e à frente do Remo por critérios de desempate. Do alto de seus 57 anos, ele é enfático ao afirmar que a paciência com os profissionais locais beira a zero.

“Acredito que não só os dirigentes, assim como os meios de comunicação, a pressão começa por aí, porque surgem comentários de que o treinador está na corda bamba. Será que a tolerância é zero só com os profissionais locais? Eu respondo que sim, e vocês sabem o que eu estou falando”, pergunta. “Quando o profissional é de fora os diretores e os meios de comunicação têm mais paciência. Infelizmente, é assim. Aqui tem muitos profissionais competentes em todas as áreas, como em outros estados também, mas essa é a realidade”, completa Samuel Cândido.

O treinador lembra um caso específico para exemplificar o que ele considera a má relação com os profissionais locais. “Na Série B de 2002, pelo Remo, com 26 equipes, montei um elenco com jogadores locais para não cairmos, e com a menor folha da competição. Sempre estivemos entre os oito primeiros. Na vigésima rodada estávamos em sexto, empatamos com o Sport Recife-PE em casa, por 1 a 1, e me tiraram do comando técnico. O clube estava na zona de classificação e todos falaram que foi uma injustiça enorme”.

O jeito é sair do Pará e, quem sabe depois, voltar

O ex-atacante Júnior Amorim, 46 anos, teve um 2018 como principal cartão de visitas como treinador. Teve uma campanha muito boa à frente do Pinheirense na Segundinha, com uma experiência de quase cooperativa. Depois foi para o Independente, onde começou muito bem e depois o time degringolou. Esse ano, deu um tempo nos estudos e estágios para assumir o São Francisco há duas semanas.Amorim comentou a situação da saída de João Nasser do comando do Leão Azul por causa de um início de ano titubeante, mesmo depois de ter tirado “coelho da cartola” para salvar o time do rebaixamento para a Série D, em 2018.

“Se fosse um treinador de fora que tivesse feito o que o Neto fez ano passado, evitando o rebaixamento, o cara ia ter um crédito de pelo menos um ano para trabalhar. Poderia perder o Re-Pa e nada ia acontecer. O Neto tem números a favor dele. Infelizmente, não teve a valorização dos dirigentes, dos torcedores e até de parte da imprensa”. Para o treinador, essa não valorização se estende aos jogadores, que geralmente são chamados nos momentos mais difíceis.

Com a maior parte da carreira fora do Pará, Júnior Amorim tem ciência de que precisará ultrapassar as divisas estaduais para buscar uma valorização que, diz ele, dificilmente encontrará aqui. “Comecei minha carreira de jogador fora e ela foi quase toda longe do Pará. Penso muito em voltar a sair, por isso busco qualificação em clubes grandes, com treinadores com vivência maior. Eu tenho certeza que sou qualificado, mas preciso abrir portas”.

Ele ressalta, inclusive, que seria esse o caminho menos tortuoso para, um dia, chegar ao comando de um dos grandes da capital. “Não quero ser mais um que começou e terminou aqui sem voar alto. Só assim para um dia, quem sabe, voltar e treinar Paysandu e Remo”.

Júnior Amorim pretende tirar a licença A da CBF ainda este ano. Foto: Daniel Costa/Arquivo

CRÍTICAS: Autonomia e respeito estão em falta

Único treinador a levar um time a vencer o Campeonato Paraense de forma invicta na era profissional, Agnaldo de Jesus foi vencedor como jogador e esteve em vários cargos da comissão técnica do Leão Azul. Com essa experiência ele não consegue evitar certa descrença comquem dá as cartas nos bastidores do futebol.

“Dirigente de futebol não pode ficar só sentado na cadeira. Tem que viajar, ver jogos e, acima de tudo, tem que conhecer de futebol”, diz. “Fui atleta campeão, trabalhei na base, auxiliar e campeão paraense 100% em 2004 pelo Remo. Depois, na Série B, me tiraram na primeira partida que perdi. São 15 anos de lá para cá e nada mudou. Falei para o (João Nasser) Neto, que é meu amigo, e disse que os dirigentes não tem o devido respeito pelos profissionais da terra. O Lecheva foi outro exemplo, que subiu da Série C para a B com o Paysandu. Foi a mesma falta de respeito”.

Para ele, está mais do que comprovado a falta de paciência com os profissionais locais, de treinadores e atletas. “O respeito e a paciência para os profissionais locais é totalmente diferente e menor para os de fora. E, quando as coisas apertas, são os treinadores locais que são chamados. O mesmo vale quanto aos jogadores. A base é sempre chamada para apagar incêndios”.

Atualmente à frente do Bragantino, que tem calendário cheio em 2019 com Copa do Brasil e Série D do Campeonato Brasileiro, Agnaldo deixa claro que por conta dessa relação com os profissionais locais ele pensa, futuramente, em sair para outros estados. Ainda assim, ele revela algumas barreiras adicionais que atrapalham os técnicos de futebol.

“Penso sim em sair daqui para ganhar mais rodagem e valorização maior. Não é fácil, pois o que não faltam são interesses por trás, de empresários a executivos, que hoje têm o poder de contratar”, diz. “A autonomia é muito grande e ficam totalmente responsáveis pelas contratações, o que muitas vezes fazem dos treinadores reféns da situação. Não são todos, mas acontece sim”, finaliza Agnaldo.

(Tylon Maués/Diário do Pará)

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