A academia de Ulysses Pereira estava lotada. Vários treinos aconteciam paralelamente e o barulho incessante dos socos que cortavam o ar, indo de encontro às luvas, corpo e rosto dos pugilistas, desconcentraria qualquer um. Mas não Acelino Freitas. Com a expressão compenetrada de quem, no auge dos seus 42 anos, acumulou experiência suficiente para saber focar em seus objetivos, ele ficava alheio a tudo ao seu redor. A disposição e a intensidade com que fazia o seu treino de manopla, ao lado do irmão Luiz Cláudio, camuflava o choque de realidade: uma semana depois, mais precisamente no sábado (11), ele estará aposentado. Uma luta de exibição, de despedida. Que importa? Para um campeão do mundo, como Popó, não é preciso um cinturão em jogo para dar o seu melhor. Na vida e no ringue, um lutador digno, que sua para alcançar o topo.

Popó está em Belém há pouco mais de dois meses. Escolheu a cidade de seu treinador para homenageá-lo, assim como a todos aqueles que fazem o boxe paraense ser bem visto em todo o país. Na Arena Guilherme Paraense, enfrentará o mexicano Gabriel Martinez, e escreverá a última página de sua gloriosa biografia profissional. Contudo, o ganho de Popó está muito além. E pode ser observado ali mesmo, durante o seu treinamento, na última sexta-feira. Não eram poucos os que entravam e saíam da academia apenas para vê-lo em ação, atento e preciso. Após o treino, ele decide colocar um casaco e fica caminhando pela academia, enquanto outros atletas ainda se aquecem. Um rei entre os mortais. Ainda assim, com uma humildade que encanta e comprova o seu status de ídolo. “Eu já tenho muitos erros para ficar observando os dos outros, por isso, fico de olho nos acertos deles e trago tudo para mim”, ressaltou o campeão.

O pugilista baiano é assim. Traz para perto de si, entranhado se possível, tudo aquilo que pode agregar valor, lhe engrandecer. Tudo na base da experiência de vida. Não tem amuletos da sorte. Não precisa deles. Ele fez a sua sorte e a carrega no próprio corpo para não esquecer nunca, como a tatuagem de um cinturão colorido, que toma parte do braço direito. “Conquistei esse cinturão porque o defendi por 10 vezes e foi um marco muito grande na minha carreira”, afirma. Apesar de estar ciente de que tudo o que aconteceu de bom em sua vida veio do seu esforço, ele também não deixa de ressaltar sua religiosidade. “Quando me preparo para lutar só confio em Deus mesmo”. Suor, talento e ajuda divina. Para quem crê, uma parceria praticamente imbatível.

A confiança e a coragem que vem da mão de ferro

Fim de treino. Popó coloca uma bermuda e calça sandálias havaianas. A simplicidade chama atenção de quem está por perto, pois o campeão faz pose de estrela. Ele se vê em um lugar comum com os companheiros de esporte. Ulysses chama todos os treinadores da academia para uma reunião sobre a luta, já que vários atletas da academia vão participar do card do dia 11. A reunião ocorre ali mesmo, à beira do ringue, onde alguns se acomodam pelo chão mesmo e Popó está no meio. Antes, todos se juntam para uma foto com o amigo e ídolo, que logo avisa: “Se eu tiver que falar na reunião vou logo brigar com alguém aqui”, brincou Popó, que se manteve atento às dicas de Ulysses e pouco se manifestou. Ao final, avisou que, na hora da luta dele, quer todos os treinadores da academia ao lado de Ulysses no córner.


Quando a reunião termina, Popó explica porque optou por fazer um treino aberto. Ele garante que não tem o que esconder. “Tem apenas que ajustar. Tudo que fiz, da primeira luta até a ultima, foi praticamente igual, apenas aprimorando, intensificando a parte física, para quando chegarmos no ringue, fazermos o que gostamos mesmo, que é bater”, frisou Popó, que tem como característica a mão de ferro, que diferencia o atleta na hora de decidir por nocaute. “Tenho uma pegada diferenciada, com muita força no golpe, e isso me dá muita coragem e confiança”, finaliza.

Acima de tudo, um cara de família

Nesses dois meses na cidade, Popó tem recebido diariamente o carinho dos fãs. Algo que ele reafirma a cada corrida feita ao redor das praças da cidade. Ele conta, inclusive, que já conhece até os comerciantes da área da praça Batista Campos, taxistas, as crianças das escolas de perto da academia, etc. “As pessoas me param na rua para fazer fotos e isso é um apoio que significa muito. Agora só falta o restante da família chegar”, ressaltou. E esse detalhe faz a diferença. Afinal, Popó sempre foi um cara de família. Ele já recebeu em Belém a namorada, que chegou na última semana, e agora aguarda a mãe e os filhos. “A família perto é um incentivo a mais e me dá ainda mais coragem e vontade para ganhar nessa despedida”.

E pela família Popó vira o mesmo leão visto dentro do ringue. Pai de sete filhos, um deles é gay, algo encarado com naturalidade, como deve ser, mesmo em um ambiente presumivelmente machista, como o boxe. Cabeça aberta, o lutador o aconselhou a tomar cuidado com represálias, justamente por conta do preconceito que rege a sociedade brasileira. “Tenho certeza que ele vai receber muita rejeição em alguns lugares, mas meu carinho por ele aumentou”, disse em entrevista recente, ressaltando ainda que a família deve aceitar e acolher, mantendo o respeito acima de tudo pelas escolhas de cada um. Posicionamento digno de um campeão.

“Popó mudou nossa forma de pensar”

Única mulher paraense na luta que antecede a despedida de Popó, Débora Guerreiro (foto), de 35 anos, é oriunda do Muay Thai, além de assistente social. Ela largou emprego, carreira, família e amigos para se dedicar à luta da vida dela, como a própria pugilista denomina. O incentivo e apoio vindos de Popó, diariamente nos treinos, proporciona à nova geração do boxe paraense a oportunidade de viver novas experiências no esporte. “Ele chegou aqui na academia e mudou a nossa forma de pensar. Todos estamos muito motivados, querendo sair dessas lutas vitoriosos, sabendo que o histórico do boxe no Pará pode melhorar ainda mais”, ressaltou a pugilista.

Outro atleta, que vez ou outra entra no ringue e treina com Popó, é o campeão brasileiro dos superleves, Jackson Furtado, também conhecido como ‘Neguinho’. Ele é outro boxeador que vai abrir a luta de despedida de Popó e aproveitou para pontuar algumas qualidades do campeão, garantindo que Popó sabe exatamente quando pode nocautear. “Ele sente o cheiro do nocaute no ar. Ele só é baixinho, mas é muito bom no que faz”, destacou Neguinho, que quando treina como sparring (preparo para o lutador) para o ídolo, aproveita para aprender o estilo de luta dele. “Eu observo muito o treino do Popó, e quando chego em casa fico pensando a melhor forma de copiar”, revelou.

(Carlos Eduardo Vilaça e K.L. Carvalho)

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