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Seleção brasileira tem mais apoiadores de esquerda

Um estudo inédito do UOL mostrou que existem mais torcedores fanáticos da seleção brasileira que se identificam à esquerda do espectro político do que quem está à direita. Segundo levantamento feito em parceria com o Instituto Mind Miners no início do ano, 29% dos fãs da seleção se declararam de esquerda. São dez pontos percentuais a mais do que quem se identifica com a direita.

O levantamento, feito online com 1.800 pessoas das classes A, B e C de todas as regiões o país, considera esquerda quem indicou esquerda e centro-esquerda, e direita quem marcou direita e centro-direita. Foram descartados, na somatória de cada espectro, os extremos de ambos os lados.

Entre quem não acompanha a seleção ou torce contra, a esquerda aparece na frente, mas há um empate técnico: 16% de quem se considera um hater da seleção é de esquerda, enquanto 14% do grupo se declara de direita. O centro compõe 13% do grupo de haters. Quem não sabe ou preferiu não responder sobre política representa 45% e os extremos marcaram 11%.

O QUE ISSO SIGNIFICA?

Ary José Rocco Júnior, líder e fundador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Marketing e Comunicação no Esporte da Escola de Educação Física da USP, explica o empate técnico dos haters. “Há números bem próximos e dentro da margem de erro”, diz. “Os dados mostram uma tendência, mas é impossível afirmar algo muito veemente. Um exemplo é o caso dos ‘haters’, que mostram 13%, 14% e 16% como valores para análise. É um caso praticamente de empate técnico.”

Para ele, o grupo em que a esquerda obteve maior representatividade, com 29% se dizendo fã da seleção (contra 19% da direita), tem uma outra leitura: “Quem é de esquerda tem mais orgulho em assumir sua posição do que quem é de direita, que às vezes tem até um certo constrangimento em colocar este posicionamento. Dá para atribuir a isso”.

SURPRESA

“Me surpreende e me alegra”, afirmou Juca Kfouri, jornalista, ao conhecer o resultado da pesquisa com a maior representatividade da esquerda. “Achava que a esquerda tivesse mais restrições, veio daí minha surpresa.”

“A alegria fica por conta da não confusão, para os progressistas, entre a seleção ou os governos, ou quem esteja no poder da CBF. A seleção, como a bandeira, o hino, e as cores verde e amarela, são do povo, de mais ninguém”, reflete Kfouri.

É importante, neste outubro de 2022, contextualizar os motivos que levam a essa surpresa. Nas manifestações ocorridas em 2013, 2015 e 2016 pedindo o impeachment da presidente Dilma Rousseff, milhares vestiram a camisa da seleção brasileira expressando desencanto com os rumos do país.

Criaram-se aí dois rótulos. Quem vestia a Amarelinha era “coxinha”, e quem era contra a camisa da CBF era “petralha”. As origens de tal dicotomia vêm de décadas atrás.

HÁ CONTRADIÇÃO NO APOIO DA DIREITA?

“O tri do Brasil na Copa de 1970 teve sua vitória no futebol representando o amor à pátria da ditadura militar”, analisa Chico Alencar, professor, escritor, historiador e candidato a deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro. “Impossível não mencionar que o general [Emílio Garrastazu] Médici era fã de futebol, daqueles de levar radinho de pilha ao estádio”.

Atrelar a esquerda ao apoio à seleção brasileira não representa nenhuma contradição para Manuel Medina, politólogo e professor da UBA (Universidade de Buenos Aires), especialista na relação dos povos latinos com os seus governantes.

“O nacionalismo, a vontade de ver a soberania nacional, a vitória na Copa do Mundo, por exemplo, possui um forte componente de esquerda. Já o patriotismo, a valorização do lugar onde o indivíduo nasce, tem raízes profundas na direita.”

“PARECE QUE QUEM É DE ESQUERDA NÃO FAZ PARTE DO BRASIL”

Atacante do Brasil na Copa do Mundo de 1986, Walter Casagrande Júnior também demonstrou surpresa com a pesquisa: “Ela me surpreende um pouco, pois você vê muita camisa da seleção no apoio ao candidato Jair Bolsonaro”, diz ele.

“Parece até que quem é de esquerda não faz parte do Brasil, pois a camisa da seleção foi sequestrada. A pesquisa mostra que você, para ser fã da seleção, não precisa usar a camisa ou andar com a bandeira. Há um oportunismo da direita no uso da camisa da seleção.”

ENTRE OS JOGADORES, PREDOMINÂNCIA DA DIREITA

Dentro de campo, há uma aparente predominância do apoio à direita entre jogadores e ex-jogadores. O caso emblemático foi o apoio declarado por Neymar a Jair Bolsonaro (PL), com um vídeo gravado e divulgado pela campanha do atual presidente.

O ex-goleiro Marcos, estrela do Palmeiras e pentacampeão mundial com a seleção brasileira, é outro exemplo. Em maio, postou no Instagram uma foto carregando a bandeira brasileira após a conquista do pentacampeonato pela seleção, acompanhada do slogan bolsonarista “Jamais será vermelha”.

Felipe Melo, do Fluminense, já apareceu em diversas fotos ao lado do presidente. Em janeiro, questionado numa entrevista coletiva sobre o apoio a Bolsonaro, ele defendeu que sua posição política não deveria ser motivo de afastamento do seu clube de torcedores críticos ao presidente.

Lucas Moura, revelado pelo São Paulo Futebol Clube e hoje no inglês Tottenham, já havia apoiado Bolsonaro na eleição passada, e em 11 de setembro declarou que votará pela reeleição. “Sou um cara conservador, de direita, que defende os princípios cristãos, família… E acho que não tem como fugir. Primeiro que não vejo nenhum candidato ideal, estamos longe disso, mas não temos como negar que Bolsonaro é um cara que mais se aproxima do que acredito, da ideologia que eu acho que é correta para o nosso país”, afirmou em entrevista ao podcast Cara a Tapa.

O QUE É SER DE ESQUERDA OU DE DIREITA?

Com as eleições deste domingo, as diferentes posições políticas -direita, esquerda ou centro- pautaram as conversas de muitos brasileiros. Mas definir conceitualmente cada um desses campos é tarefa que carece de critérios absolutos. Prevalecem os posicionamentos, não as definições teóricas.

Os especialistas tentam explicar que não há como dividir a política em dois grandes blocos e que o assunto é mais complexo do que se imagina.

Os partidos de centro são, em linhas gerais, aqueles que conciliam visões de igualdade, uma bandeira mais à esquerda, com preocupações como liberdade individual, mais à direita.

A esquerda defenderia a igualdade, distribuição de renda mais igual e uma maior justiça social. Nesse contexto, seria papel do Estado atuar para a redução das injustiças.

A direita preza por um papel mínimo do Estado, limitado à garantia da ordem pública, dando preponderância para o mercado na coordenação da vida social.

OS NÚMEROS COMPLETOS DA PESQUISA

Fãs da seleção

(Esquerda 29%, centro 8%, direita 19%, não sabe/não diz 35%)

Entusiastas da seleção

(Esquerda 23%, centro 6%, direita 19%, não sabe/não diz 46%)

Indiferentes à seleção

(Esquerda 22%, centro 5%, direita 17%, não sabe/não diz 52%)

‘Haters’

(Esquerda 16%, centro 13%, direita 14%, não sabe/não diz 45%)

A PESQUISA

Para compreender os hábitos do torcedor brasileiro durante a Copa do Mundo, o UOL realizou a pesquisa “A Torcida Brasileira”, mapeando o calor do público e os planos para assistir aos jogos, entre outros cenários

A pesquisa quantitativa coletou respostas online de usuários da plataforma MeSeems, da MindMiners. Ao todo, foram 1.800 entrevistas em maio deste ano. Foram ouvidos homens e mulheres acima de 16 anos, das classes A, B e C, pertencentes a todas as regiões do Brasil e conectados à internet.

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