Qualquer trabalhador comum tem por obrigação manter uma relação de afetividade com a empresa que lhe paga. Por mais que entendamos que há uma venda de mão-de-obra e alguém que se dispõe a pagar por aquilo. Logo, seria, teoricamente, papel do empregador única e exclusivamente pagar religiosamente seu colaborador. Mas, ainda assim, há a necessidade do trabalhador dar aquele algo a mais, ou mostrar que é identificado com a empresa, usar o crachá ou uniforme com orgulho. No futebol, esse relacionamento teria todos os elementos para ser aplicado com maestria. Afinal, todo boleiro um dia teve o sonho de fazer do contato com a bola seu ganha pão.
O desabafo do ex-jogador Zico, reverenciado por 10 em cada 10 rubro-negros, ao detonar o comportamento das feras do seu Mengão no Brasileiro e ao longo da temporada, teve uma forte repercussão nos últimos dias. Afinal, a crítica não partiu de qualquer pé rapado. Cara, foi o Galinho quem detonou e expôs o que todo torcedor gostaria de falar ali naquele momento. O receio de ver seu time flertar com a zona do rebaixamento acendeu nele essa preocupação, daí o fato do ídolo flamenguista ter pegado santo com o time do colombiano Rueda. De fato ele tem razão. Os caras ganham em dia, ganham muito bem e estão expostos no time que tem a maior torcida do País. Com todos esses elementos era natural que todos ao menos se esforçassem dentro de campo por alguma coisa. E isso não acontece.
Aqui, Remo e Paysandu sofreram do mesmo mal neste ano. O Leão não teve jogadores comprometidos em momento algum com a causa e com o clube. Os interesses pessoais sempre estavam acima de tudo. A diretoria, por seu lado, jamais revelou a esses caras o solo em que estavam pisando, ou o peso real da camisa. Os bicolores só não conseguiram ser piores porque estão ao menos se mantendo na Série B, aos trancos e barrancos. A vitória de virada sobre o Boa, na sexta, deixou o time a 5 pontos da zona e a poucas vitórias de sacramentar a permanência. Mas, convenhamos, para quem se gaba tanto de ter uma estrutura invejável, o desempenho numa Segundona com tantos times medianos é muito pífio. E equipes que padecem com falta de torcida. O Paraná é o segundo, o América de Minas o quarto. O Oeste tem 8 pontos a mais que o Papão na tabela. Por aí dá pra imaginar o retrato da melancolia.
Ver nossos dois grandes encerrar a temporada assim, dessa forma, é decepcionante. Ninguém foi além em seus objetivos, muito por conta da falta de identificação de quem recebe um bom salário e não entrega nada em troca. Tomara que na próxima temporada esses cartolas pensem bem antes de reunir tanta ruindade junta. Que ao menos tragam gente com espírito guerreiro de um Agnaldo ou Zé Augusto. É o mínimo que se espera, que o cara se mate em campo, corra, se desloque, entenda que esses mantos têm história e uma multidão na torcida. E já deu aquele velho discurso do pós-vexame: “Ninguém sofre mais do que nós, jogadores e comissão técnica, com derrotas”. Não, jogador, ninguém pena mais do que os torcedores. Um dia vocês também foram, e exigiam que os atletas de seus times ao menos demonstrassem respeito à camisa. Já o torcedor, tomara que não se contente com tão pouco. Tem a Série hoje, mas amanhã seria muito mais bacana ter um Papão na elite. A exemplo do Remo, que se acostumou na Série C. Chega de pensar e agir como pequenos!
(Clayton Matos/Diretor do Diário do Pará)