Agentes do FBI, um mata-leão desconcertante, invasão e chutes fortes. O que poderia estar em um clássico de ação de Hollywood, na verdade, fazem parte de um dos mais tradicionais momentos da televisão brasileira. Em 17 de julho de 1994, o Brasil conquistou a Copa do Mundo após 24 anos, ao vencer nos pênaltis a Itália.

Não tem uma pessoa que não tenha visto aquela conquista pela TV que não se lembre de Galvão Bueno abraçado a Pelé e Arnaldo Cezar Coelho gritando “É Tetraaa”.

Naquele dia, Galvão Bueno estava com a pulga atrás da orelha. Pensava que o jejum de 24 anos da seleção brasileira em Copas era culpa dele, que começou a narrar o Mundial justamente em 1974. E ainda tinha de lidar com uma cabine de transmissão cercada de agentes do FBI porque Pelé era comentarista. E o Rei do Futebol ainda chutava a mesa e algumas canelas por lá como se estivesse em campo. Quando Roberto Baggio errou o pênalti da Itália que sagrou o Brasil campeão, o grito que estava entalado na garganta de Galvão saiu, mas um tanto quanto prejudicado pelo abraço entusiasmado de Arnaldo.

Enquanto isso, Tino Marcos pulava sobre um anel de seguranças para entrar no campo do estádio Rose Bowl e conversar com os atletas do Brasil durante a volta olímpica até que foi contido pelos agentes. “Ih, levaram o Tino”, percebeu Galvão.

A seguir, a reportagem conta a história do “É Tetra” no primeiro episódio da série de especiais “A TV e a Copa”, que relembra os grandes momentos da televisão brasileira em Copas do Mundo.

O DESABAFO

Os termômetros marcavam 28ºC quando Brasil e Itália entraram em campo às 12h para a grande decisão da Copa do Mundo de 1994. Quase trinta graus em Los Angeles eram um calorão e Galvão quase passou mal. Mas era final de Copa e ele se agarrou à esperança do título. Aguentou o jogo todo, que terminou empatado em 0 a 0. O grito final que selou a disputa de penalidades foi simples: “Acabou”.

“Estávamos trabalhando ao ar livre, no sol. Chegamos duas horas antes do início da transmissão, aí foram duas horas de jogo e prorrogação. Quando os pênaltis iam começar, eu achei que tinha chegado ao meu limite e que não iria aguentar. Minha cabeça começou a fazer zuuuum, de repente tudo rodou e me senti meio tonto. ‘Meu Deus do céu, vou desmaiar!'”, contou o narrador no livro “Fala Galvão”.

Não era só o calor que incomodava o narrador. Galvão Bueno colocava na sua conta o jejum de títulos que o Brasil carregava há 24 anos. Veja, ele começou a comandar transmissões de Copas do Mundo em 1974, logo após o tricampeonato do Brasil em 70. Em 94, a seleção brasileira era desacreditada pela imprensa após uma campanha ruim nas eliminatórias. Era um cenário armado para um desastre.

“Era muito curioso porque o Galvão contava que ele se sentia meio que responsável pela falta de títulos: ‘Poxa, será que sou eu o culpado? Porque a partir de 1974 eu comecei a fazer Copa do Mundo e aí não deu nada em 74, 78, 82 e assim por diante, até agora. Pelo amor de Deus’, ele falava. Então quando vem aquele grito de É Tetra, vem junto aquele vulcão que estava preso dentro dele do tipo: ‘Não sou eu. Eu também posso gritar é Campeão'”, relembra Tino.


“Existiam campanhas de imprensa para não comprar o pacote de ingresso dois, que tinha as partidas de fase final da Copa. E o Brasil se classificou em cima da Holanda, mas era um time desacreditado. Eu, Galvão Bueno e Pelé acreditávamos em tudo. Tínhamos que vender otimismo, porque assim você passa alegria ao torcedor. Um comunicador, principalmente o Galvão, tem que vender otimismo. Ele vende a emoção”, recorda Arnaldo.

“Pensei: ‘Trabalhei a vida inteira para chegar aqui, hoje, narrando o Brasil em uma final de Copa’. Respirei fundo na hora em que quase apaguei e falei para mim mesmo: ‘Quer saber, o Brasil vai ganhar’. E ganhou. A minha transmissão foi aquela explosão de emoção, aquele ‘Acabou! É Tetra!’, aquela coisa histérica, desafinada. Pelé me puxando de um lado, o Arnaldo amassando meus óculos do outro. Foi ridículo, mas foi a mais pura emoção”, descreve Galvão.

O REI E OS SEGURANÇAS DO FBI

Depois que o Brasil venceu, tudo o que estava engasgado pôde ser jogado para fora. Naquela época, muitos desconfiavam da seleção. O técnico Carlos Alberto Parreira era tachado de burro em charges de jornais e todo mundo parecia pegar no pé do capitão Dunga, símbolo da seleção de 1990 que fracassou. Quando Baggio chutou para o alto seu pênalti, porém, os brasileiros esqueceram das dúvidas e gritaram com Galvão.

Quem também gritou foi Pelé. O Rei tinha parado de jogar faz tempo, mas, aos 53 anos, Pelé participava de todos os lances com os jogadores do Brasil. A cada passe, drible e chute, era um pontapé embaixo da mesa. Quem sofria eram as canelas de Galvão e Arnaldo, que acabavam atingidas quando Pelé inventava alguma coisa nova embaixo da mesa.

Tudo isso sob o olhar atento de agentes do FBI. É que o governo americano elegeu Pelé como pessoa de interesse no Mundial e, onde ele fosse, seguia uma comitiva de segurança. “O governo dos EUA fez todo um esquema para receber Pelé. Já era uma sensação diferente, né? Trabalhar com seguranças do FBI em volta da cabine”, contou Arnaldo.

“Nossa posição era bem no meio do estádio e a TV americana, que estava gerando as imagens, tinha uma câmera para mostrar as reações do Pelé ao vivo. Mas só mostrava da cintura pra cima. Ainda bem, porque ele chutava a mesa e qualquer perna que aparecia na frente dele, torcendo. Coisa de jogador”, completou o ex-árbitro.

Assim que a prorrogação acabou, o trio formado por Pelé, Galvão e Arnaldo ficou com os pés grudados no chão até que Roberto Baggio chutou. “Aí já começamos a vibrar. O Pelé pulava muito, abraçava o Galvão e eu dei uma gravata no meu amigo. Assim, por cima sabe? Tipo um mata-leão. O fone de ouvido dele rodou um pouquinho, o microfone veio pro lado e os óculos ficaram desengonçados”, contou Arnaldo.

“Toda vez que algum jogador nosso chutava no gol, o Pelé chutava junto, por baixo da nossa bancada de trabalho. Por várias vezes acertou minha canela esquerda. Aquele abraço com ele e com o Arnaldo rodou o mundo inteiro. Pegamos uma carona com o Pelé. Porque a geradora oficial das imagens não estava lá para mostrar o Galvão gritando e nem o Arnaldo derrubando meus óculos. Foi por causa do Pelé comemorando a conquista do tetra”, recordou Galvão Bueno.

“O primeiro “É Tetra” já saiu legal, mas o segundo foi rachado, o terceiro foi mais rachado ainda e talvez tenha sido essa gravata, a imobilização que fiz no Galvão. Foi um dos momentos mais emocionantes das nossas vidas”, afirma Arnaldo.

‘LEVARAM O TINO!’

Enquanto o trio pulava e a imagem rodava o mundo, Tino Marcos invadia o gramado do Rose Bowl sorrateiramente, no momento da volta olímpica dos jogadores do Brasil. Acontece que era proibido ter repórter em campo neste jogo. Mas era uma final de Copa do Mundo e a Globo decidiu arriscar.

“Aquela bola do Baggio passou em cima da minha cabeça”, lembrou Tino. “A Globo concordou que eu entrasse como um auxiliar de câmera e então eu fui com microfone e retorno descaracterizados e desmontados dentro de uma sacola. Aquilo foi uma cartada de tentar entrevistar os eventuais campeões do mundo. Quando os jogadores vinham passando, antes de chegar na baliza, eu pulei as placas de publicidade e passei por dois anéis de seguranças… Quando eu vi, estava no meio dos caras. Consegui entrevistá-los, foi um momento sublime, até mesmo quando me tiraram”.

“Digo que foi o meu momento de levitar. Os caras eram enormes. Me pegaram por baixo e fui com as penas para o ar, levitando ali sobre o gramado. Eu estava mesmo leve: ‘Pode me levar para onde quiser, acabou, o Brasil é campeão. Fiz as entrevistas e não precisa de mais nada’. Ainda ouvi o Galvão falando: ‘Levaram o Tino'”, finalizou.

BORDÃO DE QUEM NÃO TINHA NASCIDO

Quantas vezes você já não comemorou uma conquista com o grito de “É tetra!”? E nem precisa ser relacionada a futebol, é sobre a vida mesmo. Vinte e oito anos depois, a expressão virou um bordão entoado por jovens que não eram nascidos naquela época.

“Aquilo ali foi a comemoração de um gol. Passei a usar o ‘acabou’ depois, e o ‘tetra’ virou meme muito antes dessa febre das redes sociais. Acho que foi um dos primeiros memes de que se tem notícia. Tenho muito orgulho disso. O ‘É tetra’ virou, na realidade, uma expressão de comemoração. Até hoje as pessoas usam isso”, destacou Galvão Bueno.

POR QUE NUNCA MAIS TERÁ ALGO IGUAL?

Galvão Bueno tentou repetir algumas vezes aquele bordão inesquecível em outros momentos também históricos. Quando o árbitro italiano Pierluigi Collina apitou o fim de jogo entre Brasil e Alemanha, na final da Copa de 2002, o narrador se dividia entre aguardar pelo grito de campeão e prestar atenção na beira do campo para ver se Kaká conseguiria entrar no jogo -não conseguiu.

“Vai dar tempo do Kaká entrar? Todo mundo quer que o Kaká entre. Não vai dar, não! Porque acabou, acabou! É penta! É penta! Acabou! É penta! O Brasil é pentacampeão mundial”, narrou Galvão, em claro “remake” das falas de oito anos antes, mas em um tom bem abaixo dos gritos no Rose Bowl.

Anos depois, sem o mesmo peso de uma Copa do Mundo, o Brasil conquistou um novo “tetra” no futebol. Em casa, no Maracanã lotado, depois de uma histórica atuação contra a então campeã mundial Espanha. Foi a final da Copa das Confederações de 2013, vitória da seleção brasileira por 3 a 0.

Assim que o jogo acabou, Galvão repetiu a fala de 1994: “Acabou! Acabou! É tetra! É tetra! É tetracampeão da Copa das Confederações o futebol brasileiro”. De novo, em um tom muito abaixo, desta vez natural pela diferença de importância dos feitos.

Mas uma coisa une as duas “tentativas”: jogos que o Brasil dominava e claramente seria campeão nos minutos finais. Nunca mais houve uma expectativa tão grande quanto a de um pênalti chutado para fora em um campeonato do calibre de uma Copa. Galvão até narrou uma decisão parecida, a que deu o primeiro título olímpico ao futebol masculino brasileiro, em 2016. Emocionante, nos pênaltis, só que nada tão histórico quanto a sua locução naquele 17 de julho de 1994, no auge de sua voz.

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