Daniel Alves, 39 anos e 43 títulos no futebol, tem muito a dizer sobre o passado. Sentado em uma área reservada de um dos restaurantes do luxuoso hotel Sofia, ao lado do Camp Nou, em Barcelona, ele poderia falar sobre as glórias que o transformaram em um ídolo do clube catalão, lembrar como foi fazer parte de alguns dos mais aclamados times deste século, contar alguma das várias histórias que viveu na cidade.

Mas a urgência de Daniel Alves é o futuro. Atualmente, o plano é para o dia 7 de novembro: estar entre os 26 convocados por Tite para ir à Copa do Mundo.

“Eu gosto dos objetivos mais cercanos. Eu sou taurino, velho. Eu não consigo planejar daqui a um ano. Eu consigo planejar daqui a um mês, daqui a dois, três…”

O caminho do baiano rumo ao Qatar tem mais curvas do que o de qualquer outro candidato à vaga. Nos últimos três anos, ele voltou ao futebol brasileiro para jogar no São Paulo, foi campeão olímpico, retornou ao Barcelona e depois foi jogar no México. Agora, com a eliminação do Pumas no campeonato nacional, voltou à Catalunha, onde treina com os antigos companheiros para manter a forma física enquanto espera o chamado para seu terceiro Mundial.

“Estou treinando como um animal”, define. Além das atividades no Barcelona, a rotina inclui massagem, exercícios em casa e até uma câmara hiperbárica para melhorar o processo de recuperação. São, em média, 6 horas por dia de trabalho. No tempo restante, Daniel Alves ouve música, lê livros de psicologia -“três ou quatro por mês”- e pensa em onde quer estar no dia 18 de dezembro, data da final da Copa.

“Eu me imagino levantando o troféu, com a minha galera. Isso martela todo dia na minha cabeça. Durmo com isso e acordo com isso, durmo com isso e acordo com isso. A única forma de aproximar da meta é criar um relacionamento com ela”, afirma um Daniel que se alonga em muitas respostas e leva algumas delas para o território da autoajuda. “O tempo de sonhar grande e pequeno é o mesmo. Então por que vou sonhar pequeno se posso sonhar grande?”, pontua.

O sonho da Copa do Mundo e os esforços para chegar ao Qatar formaram o assunto principal da entrevista de Daniel Alves à reportagem, mas não o único. O lateral também falou sobre as decepções nos Mundiais anteriores, as chances da seleção brasileira conquistar o hexa, a admiração que tem por Tite e a opção por jogar no México. Falou da vida, de “saber cortar cebola” e da paixão pelo futebol. Foram duas horas de papo sem filtros ou pausas para beber água. A conversa só acabou quando a câmera apitou: a bateria, a segunda usada na entrevista, havia acabado.

2018 DÓI MAIS QUE O 7 A 1

Para entender o esforço de Daniel Alves para estar na lista de convocados de Tite é preciso voltar quatro anos no tempo. Em 2018, na Rússia, ele era o titular indiscutível da lateral-direita, mas uma lesão no joelho direito interrompeu o caminho para aquela que seria sua terceira Copa.

“Para mim, jogar em 2022 virou um desafio a partir do momento em que não pude ir para 2018. Quando eu estava pra ir, acabou acontecendo uma fatalidade que não me permitiu ir. Isso gerou um desafio. Acho que 2018 foi o pior momento da minha carreira. Porque te impossibilita de lutar. Quando você está impossibilitado de lutar, aí acabou pra você. Minha mente queria, meu coração queria, a alma queria, mas o meu corpo estava bloqueado. Aí não tem chance, acho que esse foi o pior momento, sem dúvida nenhuma”, afirma.

Para o lateral, a dor de não poder lutar foi mais intensa que a de viver a pior derrota da história do futebol brasileiro, o 7 a 1 diante da Alemanha, em 2014. “A de 2018 dói mais, com certeza. Por mais doloroso que seja o ensinamento, eu ainda prefiro o ensinamento, por mais doloroso que seja. A Copa de 2014 foi um ensinamento.”

Passado o período mais difícil depois da lesão que o tirou da Copa da Rússia, Daniel Alves decidiu encarar o trauma. Em vez de distanciar-se do clima do Mundial, foi até Moscou para assistir à partida contra a Sérvia, a terceira do Brasil na fase de grupos. “O objetivo da Copa está aí desde 2018. Desde 2018, tenho que fazer alguma coisa a mais, para chegar no objetivo futuro. É fazer, fazer e fazer. Quando vai se aproximando mais, você aumenta mais o cuidado, a capacidade de trabalho, de dedicação, de entrega, de abdicação, de tudo o que vai entorpecer esse objetivo principal”, conta.

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Na Copa da Rússia, Tite promoveu um revezamento de capitães na seleção -Marcelo usou a braçadeira na estreia contra a Suíça, e os zagueiros Thiago Silva e Miranda ficaram com ela duas vezes cada. Soube-se depois que a ideia era ter Daniel Alves como capitão em uma eventual final. O objetivo de erguer a taça continua vivo a cada dia; mas ele afirma que ser capitão já não passa pela cabeça.

“Não existe o sonho do capitão Daniel Alves, não. Existe o sonho só do Daniel Alves, que é de estar lá levantando a taça no dia 18, seja o primeiro ou seja o último. Seja o número 1 ou o número 26”, afirma.

“O FUTEBOL É UM BAND-AID”

Na Copa de 2014, Daniel Alves era titular do Barcelona e já considerado um dos melhores do mundo na posição. Começou o Mundial como titular, mas acabou perdendo espaço para Maicon, então também em boa fase. Na derrota histórica para a Alemanha, Alves estava no banco de reservas. Na avaliação do lateral, a Copa em casa expôs a seleção a uma pressão maior que era possível lidar.

“Nós pegamos uma pressão do país, da dificuldade do país e colocamos no futebol. O futebol não vai solucionar os problemas do país, desculpa. Pode amenizar, o futebol é mágico, tem esse poder de fazer as pessoas esquecerem tudo por momentos. Mas ele não vai sanar”, afirma Daniel Alves. Durante a Copa de 2014, o Brasil vivia momentos de efervescência política, ainda sob as consequências dos protestos de 2013 e a meses de uma eleição presidencial.

Em 2022, a Copa do Mundo começa apenas três semanas após o segundo turno da eleição. Para o lateral, é importante que o efeito de 2014 não se repita. “Se for buscar a solução no futebol, você acabou de fazer a maior cagada da sua vida. Futebol ameniza, mas não cura. O futebol é um band-aid, ele tapa ali, parece que está cicatrizando, mas você tira e está ali a ferida.”

MÉXICO: NECESSIDADE E CURIOSIDADE

Desde a tristeza de 2018, Daniel trocou o PSG pela Juventus, voltou ao Brasil para jogar como camisa 10 no São Paulo, regressou ao Barcelona e trocou a Catalunha pelo Pumas, do México, com o objetivo de continuar ativo nos meses anteriores à Copa.

A decisão do lateral pela Liga Mexicana foi vista com desconfiança por setores da imprensa e parte do público no Brasil. Ele dá de ombros. “Na vida temos que tomar decisões, e o ser humano está tomando decisões em todos os instantes. E não podemos tomar uma decisão pensando no que vão pensar sobre essa decisão”.

Para início de conversa, ele considera o futebol mexicano equivalente em nível ao futebol brasileiro. “México e Brasil são a mesma coisa, e eles [críticos] consideram ligas diferentes. Não sei por que razão, porque eu estive nas duas e sei que é a mesma coisa”.

“Eu queria viver, sentir essa experiência. Conheci a Liga Italiana, a Espanhola muito bem, a Francesa, a Brasileira. E a escola do México de futebol é algo que eu adoro. Eles são menos do que poderiam ser, poderiam ser muito mais pela qualidade de jogadores que têm. Em 2009, naquele Barcelona do Guardiola, a gente enfrentou eles numa semifinal de Mundial e quase foi eliminado. Aquilo me gerou uma curiosidade”, explica. Na partida citada pelo lateral, o Barcelona venceu o Atlante por 3 a 1, de virada.

No México, Daniel Alves jogou fora da posição em que luta para ir à Copa do Mundo. Atuou no meio-campo e faz uma avaliação positiva do tempo em que esteve no clube. Os resultados coletivos não vieram (o Pumas ficou em penúltimo lugar e venceu apenas um dos 12 jogos em que o brasileiro atuou), mas o lateral faz uma avaliação positiva.

“Pelo pouco tempo que tive, acho que a performance individual foi boa, embora a coletiva não tenha sido. Cheguei e com três dias já estava jogando. Não fiz pré-temporada, não conhecia direito, e em dois meses aconteceu de tudo. Eu sabia que seria um campeonato dificil, com jogos na altitude, adaptar-se a uma cultura diferente. Eu paguei um preço por isso”, diz.

Para além do desempenho em campo, a passagem pelo Pumas teve outro episódio marcante: em 29 de setembro, o clube divulgou uma nota em que dizia que Daniel Alves havia sofrido uma lesão no joelho. A informação foi prontamente negada pelo jogador. “O clube errou na forma de escrever, deixaram em aberto. E em aberto para a imprensa… É dar tiro no pé”.

EU E MARCELO REVOLUCIONAMOS A LATERAL

A avaliação do tempo em que jogou no México, colocando o desempenho individual à frente do resultado coletivo, é um retrato da forma como Daniel Alves enxerga o futebol. Mas há outro ainda mais preciso: uma metáfora culinária, que ajuda a explicar a autoavaliação que ele faz da carreira, e como crê que poderia ajudar a seleção brasileira no Qatar.”Eu sempre entrego o meu. Se você me colocar na cozinha pra cortar cebola, a cebola vai sair bem cortada. Agora, se depois o chef estraga a comida, aí não é problema meu. A cebola estava bem cortada”, afirma.

A “cebola” que Daniel Alves terá de cortar caso vá ao Qatar não chega a ser parte de uma receita nova. Com Tite, Daniel consolidou o que o treinador chama de laterais “construtores” -jogadores que participam mais da elaboração de jogadas pelo meio.

“O que os laterais fazem hoje eu fazia desde os tempos de Sevilla. Eu e o Marcelo transformamos a posição de lateral. De não só atacar pelos lados, mas fazer um jogo mais construtivo, mais elaborado. Nós mudamos esse conceito. Hoje todo mundo faz, mas se eu já fiz desde o Sevilla, posso voltar a fazer sem nenhum problema”, afirma.

Na última convocação antes da lista final, Tite chamou apenas um lateral-direito, Danilo, da Juventus. No amistoso contra Gana, em Le Havre (França), o treinador chegou a usar o zagueiro Éder Militão improvisado no setor. Na época, a comissão técnica justificou a ausência de Daniel Alves por problemas físicos em decorrência de uma gastroenterite.

Antes, no período de amistosos na Ásia, contra Japão e Coreia do Sul, Tite já havia testado Militão como lateral e deixado Daniel Alves na reserva durante um treinamento. No duelo contra os sul-coreanos, o jogador do Pumas foi titular, e a avaliação da comissão técnica é que ele teve dificuldades na marcação.

Nos últimos meses, o zagueiro Ibañez e o volante Fabinho surgem como outros candidatos a serem improvisados em uma possível vaga de Alves. A tendência -com ou sem o veterano na lista final- é que Danilo seja o titular na estreia da Copa do Mundo, contra a Sérvia, no dia 24 de novembro.

Diante da possibilidade de começar a Copa como reserva, que papel Daniel Alves teria no elenco? “Nunca vi uma equipe começar e terminar com o mesmo time”. Além disso, ele afirma que, em eventos de tiro curto, a experiência para lidar com os jovens da renovada seleção brasileira é um ponto em que pode colaborar.

Eu vivi isso na Olimpíada. Naquele momento em que a galera está meio assim e você consegue colocar eles no objetivo, tirar um pouco da vaidade, do egocentrismo que todo mundo tem, uns afloram mais, outros afloram menos.

Mas quando é pro bem coletivo, você precisa ter bons líderes. Eu creio que a seleção tem muitos bons líderes, e acredito que sou um deles. [Um líder] Que traz um pouco desse equilíbrio. Apesar de parecer muito louco, eu sou muito sereno na hora das coisas. Eu tenho muitas coisas positivas ao meu favor, mais do que as negativas”.

O “MAGO” TITE E A MELHOR SELEÇÃO EM 20 ANOS

A relação entre Tite e Daniel Alves é de respeito e admiração. O treinador tem uma camisa autografada do lateral em sua sala na CBF; e o jogador fala com tom de reverência do técnico, a quem se refere como “o capitão do barco” -as palavras estão na dedicatória da camisa autografada e na resposta ao ser perguntado sobre a importância do treinador.

“O capitão deste barco aqui se chama Tite. Porque o poder de extração que ele tem, eu não vi em ninguém. Extrair o melhor de cada um, conhecer, saber a força, as virtudes e defeitos de cada um das pessoas… seja do roupeiro ou do Neymar. Isso é mágico, é mágico. É magia pura. Magia pura, o cara é um mago. E começa a criar um ambiente de respeito gigante que você fala ‘não sei se vou ganhar, mas eu já ganhei'”, diz.

O ambiente criado por Tite e a qualidade técnica da nova geração de jogadores deixam o lateral de 39 anos otimista.

Daniel tinha 19 anos quando o Brasil conquistou a Copa do Mundo pela última vez, em 2002. Desde então, afirma que nunca houve um time como o atual.

“A seleção no geral, o grupo, chega num momento um dos mais equilibrados dos últimos 20 anos. Em 2002 foi o último título, e desde então é o grupo mais equilibrado que tem, em todos os perfis de jogadores. Isso não garante nada, mas chega com uma força interessante. Mas tem que saber utilizar.”

Escaldado por três experiências frustrantes -duas derrotas em uma ausência-, ele afirma que o Mundial é um evento completamente diferente de qualquer outro. “Não é a performance dos jogadores nos clubes que vai dizer que você terá uma alta performance na Copa do Mundo. É totalmente diferente, eu já vivi situações de jogadores que estão no seu melhor nível e na Copa do Mundo não conseguir desenvolver o nível que o fez chegar até ali”, diz.

Como exemplo, ele usa a Copa de 2010, em que a seleção brasileira acabou eliminada nas quartas de final contra a Holanda. “A gente já viveu isso de escorregar num aspecto mental e ficar fora. Se escorregar em um momento você vai pra casa rápido, porque está enfrentando o mesmo nível que você.”

E SE O NOME NÃO ESTIVER NA LISTA?

Treinar como um “animal”, trabalhar mais, ler mais, jogar no México, treinar no Barcelona, falar sobre a própria experiência e lembrar como ajudou jovens na Olimpíada. Daniel Alves tem seus trunfos para estar na lista de Tite, mas o treinador também teria seus motivos para deixá-lo fora da última convocação.

E se isso acontecer? Alves diz estar preparado para o cenário e, em quase duas horas de entrevista, aproveitou as perguntas que tratavam do tema para flanar entre outros assuntos: a torcida pela seleção, a paixão pelo futebol, os planos para o futuro.

“Se for chamado, bem. Se não, eu vou estar na torcida, porque sem dúvida nenhuma eu sou parte desta construção, sou parte deste grupo, independentemente se atuando lá dentro ou de fora. Se não estiver lá, vou estar com a minha bandeirinha torcendo, porque amo bastante gente ali e foi construída uma relação muito verdadeira ali dentro”, afirma.

Aos 39 anos, Daniel Alves seria o jogador brasileiro mais veterano a disputar um Mundial. Ele diz não se sentir em uma “luta contra o tempo”. Para o lateral, o que derruba os jogadores após os 35 anos não é o corpo, mas a cabeça.

“Os jogadores que chegam com 34, 35 anos e começam a parar, é porque não aguentam mentalmente, não é porque não aguentam fisicamente. É uma luta contínua, porque você vive sendo julgado. Se você jogou quarta-feira e foi bem, está sendo julgado; se no domingo não jogou tão bem, está sendo julgado. O jogador de futebol é o único profissional que trabalha sendo vaiado”, afirma.

Se em 18 de dezembro Daniel Alves não estiver levantando a taça no Qatar, quais são os planos? Com 43 títulos -alguns dos mais relevantes do mundo, exceto o Mundial- é normal pensar sobre o fim da carreira nos campos. Mas, para ele, ainda não.

“Eu não jogo futebol por necessidade. Eu jogo futebol porque eu amo jogar futebol. E quanto tempo eu puder passar jogando futebol, eu vou jogar, porque eu amo. Se meu corpo me permitir, eu vou continuar jogando até os 50, porque eu amo. Não vou perder psicologicamente para o sistema. A não ser que não tenha time, não tenha nada. E se não tiver um time eu compro um e vou jogar no meu time. Porque eu amo jogar futebol”, conclui.

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