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Amistoso da Seleção é o tédio como companhia

Vejo o noticiário da TV e da internet qualificando o amistoso do Brasil com Camarões como um jogo duro. Ora, nenhuma novidade. Qualquer time do mundo, até o catadão de Gibraltar ou das Ilhas Maurício, engrossa o caldo diante do previsível escrete canarinho do guru Tite, cuja invencibilidade nos amistosos adquire um ar de afronta aos que esperavam uma participação bem mais decente na Copa do Mundo.

Contra a peladeira (no mau sentido) seleção de Camarões, o Brasil perdeu Neymar e suas firulas logo no começo da partida e passou a depender de bolas esticadas para Richarlison e tentativas em bolas aéreas. Nenhuma jogada mais cerebral ou que exigisse um mínimo de elaboração por parte do meio-de-campo.

Nos últimos tempos, com exceção dos jogos na Copa, costumo acompanhar as apresentações do escrete ocupado com outras coisas. Às vezes, prefiro cuidar de um texto para o blog ou o jornal. Em outras, distraio a mente navegando na internet, pesquisando coisas ou dedicando atenção a um livro – ontem, por coincidência, foi a vez da estupenda bio do Led Zeppelin, “Quando os gigantes caminhavam sobre a Terra”.

Confesso que décadas atrás jamais imaginaria sentir tanto tédio num jogo do Brasil, mesmo sendo apenas amistoso. Eram tempos de concentração absoluta nas feras de João Saldanha ou nos times subsequentes, comandados por Zagallo, Coutinho, Telê e Parreira.

Não pelos técnicos, diga-se. O interesse era pelos craques daquela época. Alguns jogadores nem pertenciam à galeria dos fora-de-série, mas tinham um repertório respeitável de dribles, lançamentos e chutes. Já o time atual chuta muito pouco em direção ao gol. Parece estar atado à máxima infame de Parreira, que via o gol como mero detalhe.

A coisa é tão séria que não há vestígio daquele que já foi um dos recursos mais poderosos de todas as grandes seleções montadas no Brasil: a qualidade nas cobranças de faltas. Mortal nesse fundamento quando contava com chutadores do quilate de Zico, Nelinho, Éder, Branco e Ronaldinho Gaúcho, só para ficar nos mais recentes, a Seleção não marca gol de falta há exatos quatro anos – o último foi em setembro de 2014!

Algo de muito esquisito vem solapando há anos a qualidade e até a malícia que eram características marcantes dos jogadores brasileiros. O jeito especial de bater na bola deu lugar a arremates manjados, que não se diferenciam e nem se igualam ao que se vê no futebol europeu.

A explicação para tamanha aridez está no excesso de cuidados com sistemas táticos, variações esdrúxulas de posicionamento, cujo objetivo nada mais é do que fechar defesas. Bloqueia-se tanto que termina por haver um bloqueio absoluto de criatividade.

Na Rússia, há alguns meses, deu para observar que os times que se sobressaem são aqueles que guardam respeito pela técnica e pelo jogo esmerado. Franceses, croatas e belgas se destacaram porque tinham em comum craques de verdade, que se movimentam por todo o campo, não guardam posição e não se prendem a esquematizações bobas.

Enquanto Griezman e Mbappé ganharam a Copa para a França, Modric elevou a Croácia a um patamar inédito e Hazard fez da Bélgica uma das sensações do Mundial, o Brasil se perdia em linhas de quatro, laterais que não apoiam e defesa armada até os dentes. Deu no que deu.

O peladão de ontem foi apenas parte do script funéreo com que a CBF brinda os adeptos do esporte mais popular do mundo, cometendo a irresponsabilidade de botar a Seleção para jogar contra seleções de terceiro escalão. De novo apenas o esforçado e forte Richarlison, autor do gol.

Um ponto, porém, chama atenção. Tite, que chegou a levar Taison para o Mundial da Rússia, resolveu esquecer essa preciosidade do impávido Shakhtar Donetsk. Não seria o momento de provar ao mundo que estava certo ao convocar o contestado atacante? Penso que Taison, em particular, é o grande injustiçado deste cinzento e chato período pós-Copa.

(Gerson Nogueira/Diário do Pará)

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