O futebol do Rio anda tão avacalhado e tumultuado que somente uma hora antes da final da Taça RJ (e provável decisão do título), ontem à noite, foi que a Justiça Desportiva definiu que a transmissão do Fla-Flu só poderia ser feita pelo tricolor, mandante da partida. O STJD cassou a liminar do TJD carioca que permitia ao Flamengo exibir o jogo via streaming.
A parte mais esdrúxula da história é que o Flamengo brigou justamente para garantir que o direito de transmissão fosse do clube mandante. Obteve a mudança de regra através de uma MP baixada pelo presidente da República. Afinal, Bolsonaro tinha igual interesse em fustigar a Globo, detentora (por contrato) do direito de exibição das partidas do campeonato.
Como a emissora perdeu o interesse de transmitir a competição desde que o direito de exclusividade lhe foi subtraído (o Flamengo exibiu jogo com Boavista, ignorando o acordo contratual), a briga se transferiu para os bastidores, com golpes baixos e guerra de liminares.
Seria até fácil de entender (e explicar) a barafunda se o campeonato do Rio, que já foi um dos charmosos do país, não estivesse em mãos de um comando ditatorial, exercido com gosto e método por Rubens Lopes, presidente da Federação de Futebol, há mais de 10 anos no cargo.
Legítimo representante da cartolagem mais retrógrada, Lopes comprou briga com dois dos grandes clubes (Botafogo e Fluminense), que se recusaram a imposição do recomeço da competição antes dos prazos recomendados pelas autoridades médicas e o bom senso.
Chegou a abraçar a ideia estapafúrdia de realizar jogos com público, seguindo a régua do prefeito Marcelo Crivella, outro negacionista da pandemia, fã da ideia de que a covid-19 é uma gripezinha e que a aglomeração de pessoas não representa perigo.
A federação recuou da infame iniciativa, mas passou a perseguir os clubes que mais combatiam o retorno imediato dos jogos. No melhor estilo Capitão Gancho, partiu para ataques baixos.
Marcou locais e horários desfavoráveis a Flu e Bota, aplicou multas irregulares a título de despesas operacionais e, não satisfeita, interferiu desastrosamente na cruzada rubro-negra para exibir a decisão na marra.
Espanta que um Estado historicamente tão importante para o futebol do país, que deveria ser referência nacional, mergulhe na bagunça institucional, por obra direta da federação e de dirigentes que deveriam buscar a evolução ao invés de abraçar o atraso.
Em artigo publicado ontem à tarde, antes da decisão com o Flamengo, o presidente do Flu, Mário Bittencourt, denunciou o que chama de “GatoFerj”, referindo-se aos escândalos na federação e deplorou favorecimentos explícitos a filiados.
No fim de tudo, independentemente do placar do confronto final de ontem, já se sabe que o Carioca 2020 terá um monte de perdedores e nenhum vencedor de fato. Ninguém ganha quando a esculhambação triunfa.
Ramos: um zagueiro sem medo na hora do pênalti
Um zagueiro famoso pelo jogo agressivo e até desleal é o mais efetivo anotador de gols em pênaltis no campeonato espanhol. Sérgio Ramos tem contribuído para a campanha do Real Madrid com a impecável execução da falta máxima nas três últimas rodadas. Marcou, de pênalti, contra Real Sociedad, Getafe e Bilbao.
Ramos mantém média altíssima de acertos. Não desperdiça uma cobrança há 26 meses, segundo o jornal Marca, tendo anotado ao longo desse período 22 gols (17 pelo Real e cinco pela seleção nacional).
Tal aproveitamento leva imediatamente à curiosidade pelos métodos de treinamento do zagueiro. Ramos diz treinar incansavelmente e que não estuda características dos goleiros, preferindo retardar ao máximo para ver que direção ou atitude o goleiro vai tomar. Quando o guardião se movimenta ele manda a bola no lado oposto.
Parece um método simples, mas requer muito sangue-frio e confiança na pontaria. Com tamanha performance, Ramos supera jogadores de linha, como Neymar e Messi, e suplanta até Cristiano Ronaldo, um exímio cobrador. Enquanto CR7 converteu 85% dos penais (79 acertos em 92 cobranças), o becão falhou apenas uma vez em 21 tentativas, com 95% de eficácia.
O Marca foi fundo no levantamento e descobriu que Ramos falhou bastante nas primeiras tentativas. Perdeu três dos oito pênaltis que bateu de 2011 a 2016. Foram jogos importantes (Liga dos Campeões, Copa das Confederações e Eurocopa). Desde então, especializou-se nas cobranças e hoje ostenta índice impressionante: 31 gols em 35 cobranças na carreira.
O talento para executar penalidades junta-se à elogiada eficiência no jogo aéreo (tanto defensivo quanto ofensivo) e pode ajudar Ramos a reduzir críticas pelo jeito sujo e violento de se impor em lances decisivos, como naquela célebre final de 2018 com o Liverpool, quando tirou o craque Salah de campo com um golpe de judô.
O futebol como espelho cristalino da alma nacional
“Vejo muita gente decepcionada com os bastidores do nosso futebol – trairagem, falta de senso coletivo, falta de vergonha na cara etc. Eu entendo. Só não entendo a expectativa de o futebol ser melhor que o país. Nosso futebol é o que somos como sociedade, para o bem e para o mal”.
André Rizek, jornalista